quarta-feira, 11 de agosto de 2010

aquele homem




Aquele homem (que tinha mania de agir como um menino) morria de medo de avião, tinha medo de muitas coisas: de não ter dinheiro, de não conseguir mostrar suas capacidades, de ficar no ostracismo, de ser esquecido pelos que o admiravam, tinha medo de se perder geograficamente e vividamente, se se mostrava forte era apenas para disfarçar silenciadamente a fragilidade que por vezes se apresentava como fraqueza.
Tinha nas mãos calos, na cabeça muitas idéias, no coração aberturas internas e no corpo fogo, chama, quente, a voz era pouca, tinha medo também de falar.
Andava sempre muito rápido, talvez com medo de que algum conhecido o reconhecesse na rua e o convidasse para um papo espontâneo sobre coisas que poderiam ser fúteis ou bobas demais, ele não se permitia o livre e a desobrigação, era carregado de responsabilidades que para ele eram a coisa mais importante da vida, embora aos olhos dos outros essas mesmas coisas fossem apenas o natural. E talvez aí morasse toda a sua angústia – Ele não sabia o que era o natural – a cada “novo tempo” que se iniciava perdia a noção do quando, do onde e do por que. Tinha várias questões, mas aparentemente só a ele próprio faziam tais questões alguns sentidos. Tinha medo de se tornar um homem triste e fazia da vida um eterno estímulo ao riso.
Caminhando em cidades desconhecidas (sim, ele viajava muito!) olhava para todos os lados querendo descobrir o que se escondia atrás de qualquer mínimo, atrás de qualquer corpo, atrás de qualquer possibilidade que se apresentava como coisa possivel-a-ele-também, tinha medo de não fazer parte, isso ia e vinha em sua cabeça como o palpitar de um metrônomo em trabalho.
Precisava sair, fugir, ou voltar para o lugar de onde surgiu, precisava fazer o caminho da volta para tentar achar o caminho para onde seguir, era perdido as vezes, grosso as vezes e extremamente dócil e sensível em umas outras vezes, não tinha amores certos, sua capacidade de amar era como a de amarrar e desamarrar cadarços, passava sempre por entre seus dedos, e pra ser mais sincero, ultimamente não estava usando sapatos com cadarços, preferia as sandálias ou os pés descalços.
Acreditava que uma hora acordaria do mundo sonhado no qual permaneceu adormecido por um tempo e escovaria os dentes mais como uma ação da vida cotidiana do que como uma necessidade fisiobiohigiênica, tomaria café mais com vontade do que com uma necessidade de se manter de barriga cheia, leria livros mais como um descompromisso do que um compromisso faria poesias, beijaria de olhos fechados, faria sexo de forma mais profunda e calma, como se não fosse uma máquina (era assim que os amigos, paqueras, rolos e outros adjetivos que preenchem a cama o chamavam e o conheciam, sim! Ele era bom de cama)
Sabia de suas necessidades de mudanças, sabia de sua in-maturação, sabia de muitas coisas. Sabia inclusive que não sabia de nada. Lia Filosofia, adorava falar de Aristóteles: ”O ser se diz de muitas maneiras” e se apegava a essa máxima para justificar suas caminhadas errôneas, seus fracassos de percursos, seus desejos mal saciados. Não era de todo ingênuo ou burro, era astuto e talvez por isso gostasse tanto de cachorros e gatos, eles também o são.
Gostava de chocolate e nunca resolveu sua relação com o cigarro, as vezes gostava de mulheres, era ciumento e possessivo, mimado e não entendia porque não tinha tido um filho com sua primeira e única esposa. Suspeitava das pessoas que o amavam, era inseguro nas relações, bebia muito, se alegrava imensamente no momento da embriaguez, cantava, falava bobagens e beijava e abraçava excessiva e inconvenientemente todos ao redor quando a sobriedade o abandonava, era engraçado, fazia caretas e mungangos.
Aquele homem não quer mais existir em tais condições, existe uma minhoca esperando um casulo dentro dele, liberdade e aceitação ele precisa entender, também precisa entender que o mundo é um eterno gerúndio e que palavras vêm e vão, discursos vêm e vão o tempo inteiro, não há tempo, não há tempo.
Cansado de reclamar para si mesmo procurou um papel, escreveu longas horas e depois releu pensando no que as pessoas o diriam se tivessem acesso a tais escritos, achou ridículo, riu sozinho com olhos fechados, olhou para o casaco no sofá daquele apartamento naquela cidade fria, abriu a janela, respirou tão profundamente que o frio entrou-lhe o corpo inteiro pelas narinas, resolveu dar uma volta... acendeu um cigarro, caminhou por horas e regurgitou todos os medos e as angústias, pensou várias vezes sobre que horas deveria sair de casa em direção ao aeroporto.
Como de costume chegou 5 horas antes do vôo, (tinha medo de avião, mas tinha mais medo de perder o vôo), procurou um lugar para fumar. Acabou o cigarro. Olhou mais uma vez para aquele universo de tantas diferentes gentes, se sentiu feliz, olhou-se no espelho da porta automática e achou-se elegante, adentrou o aeroporto, pegou a fila do check in e se preparou para um novo recomeçar, apostando que em algum momento tudo seria um pouco diferente, embora o que o esperava fosse ainda tudo igual, do mesmo jeito, do mesmo tamanho. Acreditava na possibilidade do mesmo, o lugar comum também oferece algumas possibilidades – foi o que pensou por último. Lembrou que detesta avião e súbito esqueceu tudo o que havia pensado.