quarta-feira, 10 de agosto de 2016

INCOMPLETO


Clicks de Carol Benjamin.


Estar junto é muito bom, mas dói.
Porque estar junto consiste em aproximação excessiva, transborda riso, transborda suor, transborda adentramentos. Instância de permanência lúcida que legitima loucura.
Sim: Loucura. Porque ser lúcido e não desistir de possibilidades existenciais e modos de vida constitui momentos de loucura… como rasgar roupas e correr pelado, como saltar de braços abertos em aridez, cimento, secura, fratura, cabeça quebrada.
Minhas mãos estão cansadas e trêmulas, minha barriga dói, minha pele queima, perco o sono sem perder os sonhos.
Entre empurrões, desejos, barulhos, frustrações o que há de virilidade aqui se transmuta em feminino, insanamente, como louco delirante endureço entre nós, trago dores nos pés e riso na alma. “Estar junto” tem a ver com perder-se.
É de dança que falo, não de falos. É de dança que me dispo, me visto, escuto palavrões, vejo expulsões, rejeições e nãos.
Surge um buraco em meu peito quando não alcanço, quando não os alcanço. Porque não estar junto me faz perder, escuro, prisão, desencanto.
Nasce em mim alegria quando entro ali – barulho interno de notas erradas – mas também há medo, agonia. Nasce em mim desespero quando há ausência de um, porque ser um é ser parte imprescindível da música que crio.
Muitas vezes eu me sinto como se eu tivesse dois pés esquerdos, braços em excesso e matemática mal apreendida. A dislexia em mim se transforma em apatia, tarde de sono, bolacha com café, olhos de demente, grande, grandessíssima, enorme confusão: tempo, contratempo, volume, intensidade, velocidade, pausas.
Preciso muito dizer que há voz. Eu sapateio falando, eu falo muito, eu falo demais, eu ocupo tanto a minha boca que devido a isso não sei o que fazer com os meus pés. Mas vejo fortemente em nossa dança os pés pesados de um sapateio brasileiro de Valéria Pinheiro, ha aqui também um par de olhos azuis mais azuis do que o céu, referência de um outro lugar. Baião de dois, baião de dois, baião de dois.
Mora em mim grande parte daquilo que mora em nós e embora não haja apego, há querência. Há o desejo de um estado de “ficância”.
Crateús, Monsenhor Tabosa, Caucaia, Guaramiranga, Maracanaú, Juazeiro do Norte, Fortaleza, Araripina… tudo é Nova Iorque, tudo é grande, tudo tem eu e tudo tem a mim! Cidades visíveis, arquitetura de nosso dançar.
Dudu “O Grande príncipe que traz fartura: ARO ALADE OLA, Rodrigo o empresário, Edson o Vendedor, Pedro Professor, Heber Diretor, Maurício Músico, Henrique Professor, Fábio Comunicador, Adonai Produtor, Paulo Flor, Aspásia Amor, Carol Torpor, Valéria Pinheiro Jequitibá, Carcará. Nós em algum lugar.

OBServando


O filme Como estrelas na terra – Toda criança é especial, aborda questões relacionadas a conjuntura da escola na atualidade e à necessidade de aprofundamento de estudo e intervenção no atendimento a crianças com as mais variadas manifestações de especialidades, não só no âmbito educacional mas no âmbito socioassistencial.
O que mais chama a atenção é o filme se tornar ponto de “especialidade” para os expectadores pelo fato de Ishaan ter seus caminhos cruzados com um Professor que conseguiu fazer a leitura da conjuntura em qual a criança estava inserida e assim traçar metas de intervenção que o levasse a alcançar êxitos. Ora, mas não seria esse o papel principal de todo Professor? Estar atento as demandas da sala de aula, saber lidar com as diferenças e assim buscar oferecer uma educação igualitária e justa para toda a sua turma?
O contexto educacional na atualidade se mostra de forma bastante perversa, a política que inclui os alunos com determinadas deficiências não cumpre seu papel de forma efetiva. A política educacional não oferece capacitações e cursos de qualificação profissional para os professores e esses tentam lidar de forma empírica com as mais variadas diferenças em sala de aula exercendo um fazer artesanal, como colcha de retalhos, uma intervenção deslocada de políticas emancipatórias, apenas atuações pautadas em “achismos” e formas supostamente castradoras pois sem saber como lidar com as diferenças e tendo a maioria da turma para fazer caminhar, este, no momento da agonia da transmissão e construção do conhecimento, exige o silêncio, a tranquilidade, a concentração e a calma dos alunos, ainda que a falta desses quesitos sejam da ordem da saúde, da diferença.
Importante ressaltar que um Professor deveria ter acesso máximo a todas as formas de conhecimento que possam fazer com que seus alunos consigam superar as situações opressoras em que se encontram, os preconceitos e discriminações, o racismo, o classismo, o machismo. Percebe-se dentro da escola de hoje um conservadorismo que chega a ser constrangedor, professores falam mal de alunos – que em sua maioria são crianças em desenvolvimento – são fortalecedores dos discursos que reforçam machismos, racismos, e LGBTfobias, isso sem falar no conceito de belo que chega a ser desconcertante pois esse oprime de forma direta a criança e o adolescente. Outro ponto a colocar é a falta de entendimento dos professores da instância da juventude, pois não entendem o desejo dos meninos por usar brinco, piercings, bonés e o desejo das meninas de usarem roupas curtas, jeans rasgados, batons e cabelo vermelho ou de outras cores.
Ao se depararem com essas manifestações de juventude é muito comum que suas falas sejam referidas nos mais primordiais conceitos conservadores e anulantes, pois passam a tratar de forma diferente os alunos. Muitas vezes podemos até ouvir coisas do tipo: “Projeto de marginal”, “Aquela menina com aquele short daquele tamanho, tá pedindo coisa”.
O professor do filme, conseguiu não só observar, mas enxergou seu aluno com suas potencialidades e buscou exercer uma intervenção humanista pois,

“Uma educação humanista libertadora, na perspectiva freiriana, precisa ter como ponto de partida os fenômenos concretos que constituem o universo existencial de nosso povo. E, a partir desse universo, o desafio dialógico crítico converge para a luta em prol das transformações sociais necessárias e imprescindíveis para atingirmos uma vida mais digna, principalmente para os setores sociais que mais sofrem a opressão ou exclusão.” (ZITKOSKI, 2008)


Na educação, os alunos são “o nosso povo” e investir de forma qualificada na intervenção junto as necessidades dos alunos é concretizar o projeto de educação libertadora de Paulo Freire, pois isso incita liberdade, autonomia e independência. Pontos cruciais para se construir uma vida justa, baseada na criticidade, criticidade essa que os esclarecerá escolhas.
É inadmissível que aceitemos a política educacional que ora se estabelece, esta não atende as demandas dos filhos da classe trabalhadora, a categoria dos assistentes sociais deve se aprofundar na discussão do serviço social dentro da política educacional, sabemos e já discutimos incessantemente que existem demandas dentro da escola que se atendidas pelo profissional do serviço social seriam encaminhadas de formas diferenciadas. Mas como traçar pontos de atuação dentro de uma política que no âmbito do cotidiano é excludente e negligente?
Fico a me perguntar: Como acessar dispositivos de ordem prática que possam fomentar atuações de professores como o que vimos no filme? Indo mais além pergunto: Será que é possível tornar professores conservadores em professores como o de Ishaan? Isso teria a ver com processos formativos? E se pensássemos em processos formativos que levassem em consideração os conceitos da Questão Social juntamente aos da Educação? Quem facilitaria esses momentos junto aos professores? Os Pedagogos ou os Assistentes sociais? Os dois juntos será? Eis alguns questionamentos para uma outra discussão.
O fato é que precisamos ressuscitar Paulo Freire, seu pensamento e sua obra, por enquanto percebo uma grane apatia na escola, na educação, nos professores, me pergunto: Onde está Paulo Freire, pois esse que dizem conhecer não é aquele que desejou por toda a sua vida uma sociedade justa e igualitária, sem opressores e oprimidos.