terça-feira, 25 de março de 2014

Modernidade e Pobreza: Algumas simples, bem simples considerações.

Fortaleza é uma cidade conhecida e reconhecida como uma das cidades mais perigosas do mundo, há uma esteria urgente de criminalização às pessoas pobres, que geralmente são estigmatizadas como os motores da violência urbana, quando na verdade o ato de gerir violência perpassa também, e se duvidar em proporção semelhante, a classe dominante. O pensamento de que somente os pobres cometem crimes e violência seria no mínimo inocente e ingênuo, além de que, esse pensamento é um reforço às afirmativas de que os pobres é que são a escória do mundo. Dessa forma é preciso se levar em consideração o real processo que faz com que estejamos divididos em duas classes, a classe operária e a classe burguesa. Não há tempo suficiente para traçarmos uma discussão aprofundada sobre a construção histórica e social dessa relação, mas deixaremos algumas pistas para afirmar um lugar mínimo de um pensamento que dialoga com os processos de desalienação. O discurso sobre modernidade, tão atual no mundo contemporâneo, faz pensar que todas as coisas são acessíveis para todas as pessoas, quando na verdade o que se estabelece como modernidade é ainda uma forma de se apartar pessoas a partir do seu poder de consumo, nada de novidade se levarmos em consideração o que acompanhamos dentro do desenvolvimento do capitalismo de sua gênese até os dias atuais observando as desiguais oportunidades impostas pelo sistema. Karl Marx em seu texto Valor, Trabalho e mais-valia de 1865, já informava que: “...para poder manter-se e reproduzir, para perpetuar a sua existência física, a classe operária precisa obter os artigos de primeira necessidade, absolutamente indispensáveis à vida e à sua multiplicação. O valor desses meios de subsistência indispensáveis constitui, pois, o limite mínimo do valor do trabalho.” (Mark,1865). Observa-se que em se tratando de consumo e trabalho há uma disparidade de alcance bastante considerável, pois quanto mais o homem (classe operária) trabalha, mais o homem (capitalista) se beneficia, o lucro da classe capitalista, é composto exatamente do que falta à classe operária. Dessa forma, a necessidade do ter, além de ser uma constante na vida do trabalhador enquanto ser social, é também uma eterna busca, é sede que não há água que sacie. Essa busca incessante pelo atendimento das necessidades humanas traz consigo estratégias que vão além das relações cordias de aquisição e estão imbricadas nessa busca uma série de outras questões, uma discussão sobre identidade, mídia e cultura por exemplo nos dariam minimamente uma base para entendermos os caminhos que estrategicamente usamos para o cumprimento de nossas necessidades. Um ponto bastante “legítimo” para se entender os níveis de modernidade tem a ver diretamente com a ascensão de um país dentro do cenário mundial de consumo e status. O Brasil se espreme, se sujeita a fazer parte de uma lógica competitiva que maltrata seus citadinos os colocando em situações de extrema pobreza e miséria que nem de longe dialogam com um real sentido do termo modernidade. Famílias em situação de extrema pobreza, pessoas morrendo de sede por falta de vontade política de se amenizar os problemas trazidos com as secas do Nordeste, assaltos, assassinatos e serviços públicos precarizados e sucateados; nem de longe esses quisitos dialogam com um conceito de modernidade que leve em consideração o bem-estar de pessoas, sem falar no desregrado sucateamento do patrimônio público das cidades, demolições, desocupações e total desrespeito ao povo brasileiro em detrimento de grandes eventos como a Copa do mundo, Olimpíadas, Copa das confederações dentre outros. Não podemos ser complacentes com a assinatura de uma modernidade que desapropria pessoas de suas histórias de vida, de suas cidades, de seus nichos de convivência, essa forma de se legitimar a modernidade não é trangressora e sim regressora, pois assassina vidas, árvores, pessoas, causa doenças de várias ordens, propõe a loucura, o desespero, a tristeza, a angústia, a incerteza, um amanhã incerto. O que está implicito nesse discurso de modernidade é um processo de globalização que em hipótese nenhuma é benéfico ao Brasil, pois o jogo de troca e lucro a título de globalização é sempre injusta. O Brasil não é uma grande potência financeira, seria ingênuo pensar que nessa perspectiva há equidade e igualdade, há sempre um maior que fala mais alto, há sempre a força do dinheiro que dita as regras, como disse o poeta bahiano, o que há no fim das contas é “A força da grana que ergue e destrói coisas belas”. Seguindo a lógica do capital, quem tem mais manda mais, quem tem menos não manda, tenta negociar, mas no fim das contas: Obedece. Stuart Hall em seu livro “A Identidade cultural na pós - modernidade” faz uma discussão sobre as problemáticas do mundo contemporâneo e dentre outros importantes pontos traça um panorama do que se imbrica na discussão sobre modernidade e identidades na atualidade, em Hall: “Quanto mais a vida social se torna mediada pelo mercado global de estilos, lugares e imagens, pelas viagens internacionais, pelas imagens da mídia e pelos sistemas de comunicação globalmente interligados, mais as identidades se tornam desvinculadas – desalojadas – de tempos, lugares, histórias e tradições específicos e parecem flutuar “livremente”. Somos confrontados por uma gama de diferentes identidades (cada qual nos fazendo apelos, ou melhor, fazendo apelos a diferentes partes de nós), dentre as quais parece possível fazer uma escolha. Foi a difusão do consumismo, seja como realidade, seja como sonho, que contribuiu para esse efeito de supermercado cultural” (HALL, pá. 75). Quando Hall aborda na passagem do texto que a escolha nos parece uma possibilidade a todos, informa que aparentemente o mundo vive em plena igualdade. O que acontece na realidade é que as escolhas são determinadas por fatores sociais e históricos, não dá para acreditar que o mundo oferece oportunidades iguais a todos, essa é a máxima do sistema neoliberal, a lei do mercado livre, que nos sufoca e nos é perverso. O que queremos dizer é que da mesma forma que o Brasil entra em negociações que o deixam em situações subalternas frente a outras potências mundias ( Japão e EUA), as pessoas também estão sempre vivendo essa relação no seu cotidiano, de exploração, de opções injustas. Sabemos claramente que uma política publica de educação por exemplo não coloca as pessoas em nível de competição igual, ou ainda somos ingênuos de pensar que um aluno da rede pública tem as mesmas possibilidades que um aluno da rede privada? Em se tratando de educação básica isso é um dissenso. É discurso de Liberais. Ainda pensando sobre a modernidade e sua relação com o aumento da pobreza, é imprescindível que estejamos atentos para as questões relacionadas à política de transferência de renda do governo federal. Há uma histeria cega e louca que criminaliza a política de transferência de renda em detrimento da afirmativa de que os benefícios têm incitado uma preguiça ao trabalho. Essa afirmativa é perigosa, pois os benefícios de transferencia de renda – ainda que tenham inúmeros problemas – foram uma maneira de se retirar milhões de pessoas das situações de extrema pobreza e trabalho escravo assim como reavivar possibilidades inerentes à auto-estima. A Socióloga Amélia Cohn, foi assessora de projetos sociais do Governo Lula e foi uma das responsáveis por estruturar o Programa Bolsa Família junto ao BID. Durante alguns anos trabalhando ao lado do então presidente, recebia cartas de beneficiários do PBF, nas cartas os beneficiários relatavam e agradeciam o benefício, as cartas eram direcionadas ao Presidente. Amélia relata: “Em 2007, realizei um estudo para a Secretaria Nacional de Renda para a Cidadania sobre o Bolsa Família – comentamos sobre cartas, mensagens, recados e falas que ouvimos dos beneficiários. Uma delas era particularmente para Rosani: Uma mulher que lhe havia dito que com os 2,00 que haviam sobrado depois de fazer o rancho (as compras todas do mercado) com o dinheiro que havia recebido, ela havia podido comprar um batom, coisa que há muito tempo era seu desejo. E que isso era para ela uma grande felicidade. Nós (claro que não simplesmente por sermos mulheres) entendíamos muito bem a felicidade de nossa companheira, pelo lado da sua auto-estima; mas também estávamos plenamente conscientes de que da parte da opinião pública, nada mais condenável do que esse “gasto”. Para muitos, demasiados mesmo, essa dimensão da auto-estima, que para nós era inquestionávelmente intrínseca à cidadania e, por extensão, à democracia, é absolutamente invisível, ou mesmo inexistente.” (COHN, 2012) A modernida aos olhos da classe burguesa é uma inerente aos que consomem, essa forma de dialogar com o conceito de modernidade exclui a classe pobre e estigmatiza os desejos dessa mesma classe de se alcançar determinadas possibilidades importantes para a sua existência. Assim o discurso punitivo ao PBF e outros benefícios deve ser mediado, ainda que existam lacunas que a organização do benefício não conseguem cumprir. É bastante recorrente na fala dos que criticam o PBF a máxima de que as pessoas que o recebem “não trabalham porque não querem”, esse pensamento é alienado, pois não leva em consideração a realidade em sua totalidade observando as condições injustas de oportunidades na disputa pelo mercado de trabalho, segundo Cohn: “E o importante é que, embora vital para a sua sobrevivência, para essas pessoas com inserção precária no mercado de trabalho, ou com possibilidadesprecaríssimas de acesso à renda, essa fonte de renda não configura, ao contráriuo do que muitos pensam, uma escolha ao não trabalho.. Apresenta-se, sim, como uma alternativa fundamental frente à inexistência do trabalho como fonte de segurança da satisfação de suas necessidades básicas e de suas famílias.” (COHN. 2012). Reforçamos que é necessário dismistificar o Bolsa Família como um sustento de vagabundos, pois essa maneira de enxergar o programa é também uma maneira de culpabilizar as pessoas por serem pobres quando o que acontece de fato está grafado na história do país desde seu descobrimento, uma história marcada pela injustiça social, oligarquias, coronelismo, ditaduras religiosas que aumentam as desigualdades, e afunilam uma ascenção social aos que têm mais oportunidades. Não dá para discorrer sobre a relação modernidade e pobreza sem perpassar por questões relacionadas ao Programa Bolsa Família e a atual conjuntura da cidade de Fortaleza frente às pressões impostas pelo evento Copa do Mundo. O que se percebe é que há cada vez mais o aumento da classe pobre, a grosso modo: quem é rico cada vez fica mais rico e quem é pobre cada vez mais pobre, o ciclo da pobreza aumenta na mesma proporção em que o ciclo da riqueza diminui. Entendendo da importância dessa discussão para uma formação comprometida com as mazelas da questão social, nos ocupamos em nos deter sobre o imbricamento dessas questões em nossa cidade, claro que de forma bastante tímida, pois a discussão sobre a relação modernidade e pobreza é inesgotável, são muitos autores, muitos pontos de vista e muitas correntes filosóficas que a abordam de formas diversas. Sabemos que o curso de serviço social é hegemonicamente Marxista e acreditamos nas teorias de Marx a partir de seu método de observação crítico-dialético que é necessário entender a realidade através de uma leitura de conjuntura que leve em consideração o ser social em sua historicidade, essa leitura foi o nosso ponto de partida para o desenvolvimento do trabalho. Entendemos porém que para além da classificação de classes e desenvolvimento do capitalismo, o autor não viveu tempo suficiente para traçar discussões relacionadas a determinados temas, viveu em uma época na qual não existiam recursos tecnológicos, e-mails, computadores e a modernidade se estabelecia de uma outra forma. É no âmbito da não negação dos escritos e na totalidade do pensamento de Marx , na abertura subjetiva a leitura de autores como Hall e Bauman que pretendemos ampliar a discussão sobre o tema sugerido e nos propomos a dialogar sobre os conceitos de modernidade e pobreza. Para isso, nos debruçamos sobre a cidade, pondo em choque elementos que a partir do processo de transnacionalização do capital se legitimam na cidade causando um verdadeiro caos no desenrolar de seu cotidiano. O recurso escolhido foi a fotografia, pois essa estratégia chega de forma direta e impactante sendo uma ótima alavanca para se proporcionar o debate. Foram fotografadas as redondezas do Castelão, que é hoje o alvo de maior especulação imobiliária da cidade, uma casa simples de dois quartos, durante o período em que a copa acontecerá, será alugada por até 10,000,00. As reformas do estádio estão suprimindo a classe pobre que vive nos arredores, trazendo problemas relacionados ao saneamento básico, demolições, remoções e sem falar nas catástrofes de deslizamentos nos períodos de chuvas. O metrô da cidade também será abordado, mostrando as obras e o mau funcionamento, causando transtornos e em alguns casos complicando mais ainda o deslocamento outrora feito de ônibus. A Seca também será mostrada nas fotos de crianças que vivem nos interiores e que são cerceadas do direito à alimentação e uma vida saudável, muitas delas sendo sujeitas à situações de trabalho infantil, similar ao que acontece na urbe Fortaleza. A intenção primeira é ampliar o debate sobre a relação pobreza e modernidade e fazer refletir o posicionamento ético e político da formação e do profissional que estará em breve atuando nessas ambiências Concluimos com esse trabalho que é urgente uma discussão aprofundada sobre a cidade, sobre as pessoas, sobre o capital e estratégias de enfrentamento. É bastante doloroso nos perceber em um momento como esse (copa do mundo e extrema “modernização”) de mãos atadas, pois o desejo do povo não é o mesmo desejo do Estado. O que nos fica é a certeza de que nós, enquanto futuros asistentes sociais, teremos um trabalho grande frente ao caos que o sistema impõe, especificamente no caso de Fortaleza, pegaremos uma cidade cheia de contas a pagar, o preço de sediar uma Copa do Mundo é um preço alto, a inflação voltará com tudo, o desemprego, a miséria se estabelecerá ainda de forma mais agravante. È preciso ter claro que se hoje está ruim, após a copa estará pior. Dessa forma tecemos nossos agradecimentos ao Professor Renato Ângelo por nos ter colocado de frente a uma discussão tão necessária para a cidade, acreditamos que metodologias de ensino que colocam o aluno face a face com o seu futuro campo de trabalho são disciplinas marcantes e inesquecíveis. E que nunca nos falte o sentimento de rebeldia e o desejo de revolução. REFERÊNCIAS BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Tradução, Plínio Dentzien. Rio de Janeiro – Zahar 2001. COHN, Amélia. Cartas ao Presidente Lula – Bolsa Família e Direitos Sociais. Rio de Janeiro – Pensamento brasileiro 2012. MARX, Karl 1818 - 1883. O leitor de Marx. Organização de José Paulo Netto. Rio de Janeiro. Civilização brasileira 2012. VELOSO, Caetano. In Sampa. São Paulo 1978.

O que digo sobre o Sapateado.

Entrevista dada à Revista DANCE Magazine. QUEM FOI (É) SUA GRANDE INSPIRAÇÃO ? POR QUE? Minha primeira e grande inspiração foi e continua sendo a Coreógrafa da Cia. VATÁ Valéria Pinheiro, ela foi a grande revolucionária do sapateado no Brasil e no mundo, foi a primeira brasileira a dançar nos palcoa do coração do sapateado americano que é os EUA, mais especificamente a cidade de NY. Seu estilo único e autoral é algo que revela sua alma inquieta e criadora. O SAPATEADO NO BRASIL APRESENTA HOJE ALGUMA PARTICULARIDADE? SE SIM, QUAL? Sim, muitas, algumas positivas e outras negativas. A particularidade do sapateado brasileiro e que é um específico de nós sapateadores brasileiros é o domínio sobre a música brasileira, isso é bastante particular, os brasileiros conseguem sapatear com muito mais propriedade e domínio dos ritmos, somos um povo dançante, que tem swing na alma, brasilidade na veia, essa possibilidade de ser maleável na aquisição de ritmos acho extremamente positiva, o sapateado é uma dança que propõe e produz alegrias e conversa diretamente com a essência da alma brasileira. Me incomoda um pouco territorializar o sapateado em um campo de competitividade, esse é um dos motivos pelos quais nunca me coloquei enquanto sapateador junto com a Cia. Dos Pés Grandes (Cia. Que dirijo), acho que de alguma forma, a competitividade coloca em evidências outras questões que na maioria das vezes estão aquém do que o sapateado realmente se propõe enquanto arte que tem uma historicidade complexa e de luta. COM A ONDA DOS MUSICAIS O SAPATEADO ESTÁ SE TORNANDO CADA VEZ MAIS POPULAR NO BRASIL? Aqui no Ceará a onda dos musicais ainda está em processo de andamento, existe um movimento forte de pesquisa em algumas academias, essas tentam fazer o melhor, apreendem bastante em cursos e festivais pelo Brasil e também no exterior. Não tenho muita propriedade para falar de musicais porque faço um sapateado extremamente intimista, não me afetam muito os musicais modernos da sociedade contemporânea. Claro que não tem como esquecer a história dos musicais na construção do cinema, eu vi Cantando na chuva ainda criança, ainda hoje me emociono quando assisto, me enche os olhos, meias de seda, um americano em Paris... enfim, tenho uma relação com musicais no âmbito do cinema, em se tratando de teatro, de palco, tenho visto poucos, quando estou em São Paulo ou nos EUA tento ver alguns, não dá pra morrer sem ver CATS por exemplo. Mas um sapateado de cunho apenas espetacular não me interessa muito, me interessa o que o sapateado causa na minha vida, que sentidos e afetos ele produz. ESSES MESMOS MUSICAIS DÃO CONTA DE ABSORVER OS PROFISSIONAIS? O Brasil é um país que comporta um grande número de sapateadores, cidades como São José dos Campos, Rio de Janeiro, e ainda mesmo algumas cidades do interior de Minas Gerais têm sapateador por metro quadrado espalhado nos cantos. Os grandes centros urbanos oferecem maiores oportunidades profissionais para quem deseja essa linha de atuação no sapateado, aqui no Ceará as oportunidades ainda são tímidas, acho que nossas demandas ainda são outras. É dificil falar disso, eu sou um sapateador alternativo, não trabalho em academias, não participo de festivais competitivos e trabalho com pessoas que não têm alto poder aquisitivo, por essas questões me interessam outras coisas na relação com o sapateado, como por exemplo a forma como ele potencializa minhas alegrias e cuida da minha qualidade de vida. COMO É A CENA HOJE FORA DO BRASIL? QUAIS SÃO OS DESTAQUES? A Cena fora do Brasil é muito condicionada aos desejos e olhares de quem analisa de fora. Eu ainda acho que os EUA são a grande potência do sapateado mundial, eles recriam o sapateado em uma rapidez sem limites, os mestres de sapateado americanos continuam sapateando, e confesso que embora a juventude esteja sempre surpreendendo com novos estilos, a tradição aparece e é preservada o tempo inteiro. O espaço dos mestres é legitimado, a maioria dos sapateadores jovens sabem quem foi Buster Brown, Jimmy Slyde, Steve Condos e outros, dessa forma o sapateado se mantém vivo, a essência dele é mantida nos passos e movimentos dos jovens, existe uma ambiência de cumplicidade entre a tradição e o contemporâneo na relação cotidiana do sapateado nos EUA. Atualmente Jason Samuel Smith representa de forma bastante direta a juventude do sapateado americano, posto que durante muito tempo foi do Savion Glover, ambos trabalham com funk e conseguem captar a juventude para um processo de descoberta do sapateado, acho esse movimento fascinante. Gosto muito do Trabalho de Lane Alexander de Chicago, Lane tem uma generosidade nos pés que é fora do comum, faz um sapateado poético, intimista, desafia a virtuose, é sapateado para ver e ouvir, ver a BAM de Lane Alexander sapateando me dá vontade de voar, de chorar, me afeta todos os sentidos, é um sapateado que me faz pensar. Existe sapateado que fecho os olhos e só escuto, existem outros que mechem internamente, comunicam, me interessa muito um sapateado comunicativo no qual eu consiga trocar algo e viver uma relação de mão dupla, um ir e vir. Tenho essa sensação também quando vejo Roxanne Buterfly, Roxanne é pura paixão e desprendimento no palco, sua felicidade é contagiante, o sapateado feito por ela é sofisticado, limpo, mamou em Jimmy Slyde, aprendeu demais com o mestre e divide esses conhecimentos sem apegos ou mesquinharias. COMO VOCÊ OLHA O SAPATEADO HOJE? Acho que o sapateado é uma arte extremamente sofisticada, uma arte que desperta desejos e paixões, me incomoda pensar que o sapateado é uma arte elitista, e me incomoda muito mais quando percebo profissionais que não questionam o elitismo dentro do sapateado. Gosto de pensar o sapateado como um “possível” a todos, sou extremamente feliz com o sapato de sapateado nos pés e desejo que as pessoas pudessem vivenciar essa sensação, penso sempre no momento de meus exercícios de sapateado na criança que está no trânsito em situação de trabalho infantil, na mulher que sofre violência doméstica, na população LGBT que sofre preconceitos, o sapateado me alivia dores da alma. Tenho um entendimento de que o sapateado, a prática dele pode tornar as pessoas mais sensíveis e comunicativas, lamento que no Brasil essa arte esteja ainda dentro de um ciclo de pessoas que podem pagar preços altos pelas aulas nas academias, existe porém uma grande parte da população que nunca terá acesso porque as aulas são caras, o sapato é caro... enfim. Acho que poderíamos estar fazendo muito mais pelo sapateado no Brasil, popularizando-o, possibilitando – o às pessoas que têm dificuldades de acessá-lo devido a problemática da falta de dinheiro. O sapateado em si é uma arte popularizada, existe de fato, sua existência é inquestionável, o que temos que pensar daqui pra frente é a sua difusão, jogá-lo nas escolas, em cursos formativos, em programas de qualidade de vida. Acho que conheço apenas 3 experiências no Brasil que têm no sapateado o motor propulsor de transformação, Luiz Baldjão faz um trabalho lindo com crianças em um morro em São Paulo, Christiane Matallo também proporciona essa experiência a algumas crianças em Campinas e em Araguari o Estúdio A tem jogado excelentes profissionais de sapateado ao metier da classe, porém, continuo achando que poderíamos fazer mais, somos poucos mas somos muitos na multiplicidade. Gostaria que o compromisso do sapateador brasileiro fosse o próprio sapateado e a perpetuação dele como um “possível” e não um compromisso pautado em montagem de coreografias para os grandes festivais competitivos. Acho extremamente importante festivais formativos como o TAP IN RIO de Steven Harper e Adriana Salomão e o INTERNACIONAL de Christiane Matallo como espaços de difusão e formação do sapateado, são momentos de encontros fantásticos, feito e pensado por pessoas fantásticas que agrega valores, diferenças e estilos. Ainda acho que o sapateado precisa ser mais praticado, vivenciado e experienciado, eu desejo um país com mais sapateadores porque eu desejo um país mais alegre, e alegria é também uma forma de revolução. Heber Stalin Fundador, Bailarino, Coreógrafo e Diretor Geral da Cia. Dos Pés Grandes.