sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Relato de um pesquisador tímido.

A cidade de Fortaleza é mundialmente conhecida pela beleza exuberante de suas praias, um misto de província e urbe que translucidamente reflete nas ruas as gritantes desigualdades sociais, estas aparecem nos mais diferentes setores do desenrolar da vida, na economia, no poder aquisitivo das pessoas, nas sacolas de supermercados das donas de casa, nas cadeiras na calçada, nas crianças que brincam com os brinquedos mais diversos, em Fortaleza, um pneu velho e uma lata enferrujada brilham aos olhos de uma criança da mesma forma que um brinquedo eletrônico da mais alta tecnologia. Assim como em outras urbes, a cidade e seus esconderijos, tais quais as suas vitrines urbanas, apresentam-se como nichos econômicos, sociais e culturais para o desenrolar da vida. Bares, barracas de praias, praças, calçadas de comércio, esquinas, teatros, cabarés, se configuram como espaços de legitimação da vida cotidiana, esses espaços compõem o desenrolar da vida, espaços de diversão e entretenimento para uns e locais de trabalho para outros. Dessa forma, o local de observação e pesquisa desse trabalho é a cidade de Fortaleza, mais especificamente o centro da cidade entre as ruas Solon Pinheiro e Jaime Benévolo à altura do Colégio Marista, região habitada de forma intensa durante o dia e escassa de pessoas durante a noite, é um espaço cercado por prédios residências, casas e muitos pontos comerciais. Há lixo pelas calçadas, muitas pontas de cigarros, poças dágua, olhando de forma mais focada, é possível identificar fitas coloridas, pedaços de comida, latas de cerveja amassadas, um bilhete de alguém “ fui comprar pão, volto já”, e em uma parede um pouco mais distante, um desenho da folha da maconha com o escrito “legalize já”. Há passantes, transeuntes, curiosos, pessoas que em suas atitudes matreiras e escapulidas se confundem com ratos, num frenético ir e vir, procurando uma forma de habitar o espaço sem a percepção dos que ali tentam a sobrevivência. Odor de urina e fezes se confundem com a essência dos perfumes dos que ali trabalham, o vermelho da boca de batom em choque com o loiro de perucas me transportam para uma cena de filme do cineasta latino Pedro Almodovar, as mínimas roupas, os saltos altos, as bolsas, o cigarro, a atitude corporal, tudo pronto para ser produto, tudo pronto para consumo. Antes de abordar, fui abordado por Carla, uma travesti, garota de programa de 19 anos de idade que trabalha há dois anos no mesmo ponto, esquina da Solon Pinheiro com Bárbara de Alencar. Carla usa peruca loira, tem 1.72 de altura, olhos grandes, usa cílios postiços, não usa tanta maquiagem porque sua pele é macia e fresca, tem dentes perfeitos, traços femininos no rosto e no corpo. O corpo de Carla é bonito, pernas compridas, cintura fina, bumbum redondo, não tem pêlos, seus ombros não são largos. Cheira agradável, é simpática, delicada mas quando necessário se torna violenta “adoro a minha vida, não deixo ninguém tirar” (sic). Vestia mini-saia preta, top azul marinho, usava salto-alto preto, portava uma bolsa pequena, de segurar na mão, dentro da bolsa uma cédula de 20,00, três camisinhas, batom, perfume bem pequeno, uma carteira de cigarro Hilton, a chave de casa e um bisturi “porque às vezes eles não querem pagar” (sic). As amigas de Carla me olharam de forma esquisita, haviam três do outro lado da rua, uma delas morena, usava shorte jeans com as nádegas de fora, top de brilho prata e salto também prata, peruca morena com luzes claras, portava bolsa cinza de corrente prateada, falava com frequência no celular. Sua parceira de esquina era loira, peruca channel, usava calcinha fio-dental e sutian florido, esta não usava bolsa, dobra seu vestido e o pendura no poste de luz para exibir o corpo para os possíveis clientes. Sentada em um batente havia outra também morena de jaqueta preta, aparentemente saia curta, maquiada, peruca longa, estava sem usar o salto, mas o mesmo estava ao seu lado, chorava muito no momento de minha pesquisa, segundo Carla: “ A mãe está doente, em tempo de morrer” (sic). Carla parece ser a mais requisitada do grupo, é também a mais jovem, enquanto observava de longe, de dentro do carro, três abordagens foram feitas à Carla, em uma delas ela entrou no carro e retornou em torno de 20min. Ela é forte, tem personalidade marcante, fala de forma direta, não se incomoda em falar de si mesma, não se envergonha do que faz e diz ser temente a Deus, relata que Deus vai entender e que só faz o que faz porque precisa de dinheiro, não tem mais pai nem mãe, morava com uma tia no interior e era abusada pelo tio e primos desde os 8 anos de idade. Carla não sabe ler nem escrever, mas sabe contar dinheiro e relata que tem vontade de estudar, mas o preconceito é muito grande. A rotina do trabalho das garotas de programa travestis inicia por volta das 20:00h. Dependendo da necessidade começam o trabalho mais cedo, o dia da semana também é determinante, o movimento para elas aos sábados e domingos pode iniciar até mesmo às 18:00h. A maioria delas mora pelo centro, levam o tempo de uma hora ou uma hora e meia para ficarem prontas, o processo de maquiagem é longo, têm que subir as sobrancelhas, passar fita gomada ou fita durex no topo da testa para subir os traços e ficarem mais femininas, muitas camadas de base, depois muitas camadas de pó, depois lápis, rimel, delineador, unhas postiças. Passo seguinte é cuidar do corpo, cremes, depilação, limpeza interna. Depois pentear e tratar a peruca, grampos, fivelas, acessórios, por fim a escolha da roupa. Sobre a roupa Carla fala que gosta de usar vestidos, mas o vestido não atrai clientes, é necessário mostrar bunda e peitos para que os clientes se sintam atraídos, “porque eles vem muitas vezes bêbados, aí eles querem logo é fazer” (sic). Chegando ao ponto de trabalho, se dividem nas esquinas, entre idas e vindas de esquinas pra esquinas há brincadeiras entre elas, dividem cigarros, emprestam batons, camisinhas e as vezes dividem o lanche. Ficam sempre em pé, andando em saltos altos, quando o farol dos carros entram na rua, imediatamente vão mostrando a região das costas para que os clientes possam apreciar e quem sabe pagar um programa. Carla relata que já chegou a fazer mais de 500,00 em uma única noite de trabalho. Não existe hora certa para se finalizar a noite de trabalho de Carla e suas colegas, às vezes trabalham até as 6:00 da manhã, às vezes fazem apenas um programa para garantir o aluguel ou a alimentação da noite ou do dia seguinte. “Porque a gente também tem os nossos problemas, tem dias que eu to com nojo de tudo, até de mim” (sic). Há minimamente companheirismo entre elas, elas riem juntas, brincam, mandam beijinhos, contam piadas, aconselham umas às outras, lembram umas às outras da importância do uso da camisinha, partilham, são cúmplices, “eu ajudo a quem precisar de mim, só não vou ajudar se for pra roubar”. A falta de acessos as políticas públicas por parte de Carla e suas colegas de trabalho se deu desde cedo e se dá ainda hoje devido os preconceitos relacionados à orientação sexual, no caso específico de Carla, a violação de direitos foi marcante, pois era abusada pelo tios e primos após a morte de seus pais, com dificuldades psicológicas de superar a violação, abandonou a escola, a vida em comunidade e perdeu a noção de que somente através de Educação é que ela poderia superar as violações e as negações de seus direitos, não conhece o Conselho Tutelar, não conhece o papel das ONGS, não sabe o que é uma política pública e não sabe qual o papel do assistente social. A alienação de Carla e suas amiagas é bastante notável. Como falar de valores nessa perspectiva? Como achar formas de se falar de políticas públicas e acessos se estes são fragilizados em sua totalidade? Como pensar ações que possam sanar minimamente as carências de direitos de Carla e outras profissionais da rua? Como pensar em juventude frente às ditaduras corruptas e eletivas do neoliberalismo? Como pensar em inclusão na política de saúde, educação, habitação e assistência social para esse segmento da sociedade que fica à margem de todas as realizações político-sociais do mundo contemporâneo? Como fazer a sociedade entender esse segmento para além da culpa? Como estrategar falas que tirem a culpabilização da prostituição dos travestis em detrimento do cerceio dos acessos? s~çao muitas as questões que vão ficando após o encontro com Carla. Acredito que o encontro com Carla foi transformador para nós dois, Carla me encheu de perguntas, quis saber de minha vida pessoal, se eu era casado, se gostava de meninos ou de meninas, me falou que eu era bonito (rsrsrsrsr). Pediu camisinha, do outro lado da rua escutei “Ei Carla tu vai é casar com ele é?”. Dividi com Carla o tempo de uma hora e dez minutos de conversa, durante esse tempo Carla se mostrou muito atenta ao que eu dizia, ao que eu perguntava, ao que eu queria saber, respondia tudo de modo muito direto, ao final me perguntou se eu não queria tirar foto, perguntou se eu voltaria, “quando quiser pode vir.” (sic.). Esse mergulho no campo foi muito importante, pois percebo que há muito o que se entender quando estamos na pesquisa, me senti muito confuso, perdi a noção do campo, não sabia mais, confesso que ainda não sei, se Carla ou se o local de seu trabalho são o meu objeto de pesquisa nesse trabalho, o fato é que a partir do contato com Carla pude mapear meus preconceitos, medos, subjetividades e afetividades, é possível se mapear a demanda de políticas públicas para esse segmento, é possível se mapear demandas também afetivas, são muitas as carências, falamos de algumas eu e Carla, mas muitas outras ficaram subentendidas, escondidas, guardadas para quem sabe em um outro momento aparecerem de forma teimosa. Me despedi de Carla e segui rumo ao carro, nesse trajeto olhei para trás e vi claramente que a dinãmica de trabalho ali instaurada não se modificou. De dentro do carro vi Carla rir com as colegas, reforçar o batom, acender um cigarro e voltar para a esquina da Solon Pinheiro com Bárbara de Alencar, da mesma forma que a encontrei. Vestida de nua, despida de políticas públicas, desejando um futuro melhor. E eu segui. Assim como Carla. Seguimos ao nosso modo Carla e Eu.

Um primeiro dia, uma impressão marcante

Comecei o estágio supervisionado I em Serviço Social no dia 12.09 do corrente ano, esse dia foi um diferencial na minha vida acadêmica, pois foi a primeira vez que me deparei com a intervenção do serviço social dentro de uma política que é extremamente frágil e que na qual eu jamais havia despertado o desejo de estar inserido. A chegada ao ambiente hospitalar foi muito brusca, não há delicadeza que rompa com a dinâmica hospitalar, são tensões, movimentos, paragens, dores, tristezas, odores, tudo se mistura ao ambiente, o misto de salvar vidas com o desespero da morte é uma constante no cotidiano do serviço social hospitalar, os estreitos corredores assim como as salas de atendimento são verdaeiros labirintos, cheios de desconhecimentos, incertezas e angústias dos que ali buscam encaminhar as demandas de seus familiares em estada hospitalar. Foi assim que começou o primeiro dia de estágio, com o rompimento da minha vida pequeno-burguesa pela realidade social dos que sofrem e agonizam na política de saúde. O serviço social na instituição é bastante dinâmico, as assistentes sociais entram e saem, sobem e descem, algumas correm, algumas sentam exilando o cansaço, pessoas reclamam na porta do serviço social, idosos, crianças, mulheres, travestis, todos se aglomeram na porta do setor na tentativa de uma mínima notícia de seus familiares, querem saber se já morreram, se estão de alta, se a cirurgia foi bem, há também fome nessas pessoas, algumas desejam entrar para se alimentar ao lado dos seus pacientes, há um desejo enorme de ter, o verbo predominante é o “querer”. A dinâmica hospitalar muito me tocou nesse sentido, as imagens são fortes, o cheiro é forte, o desespero é forte, as fragilidades são fortes, é preciso dizer que o que há de mais forte no meio disso tudo é a intervenção ( embora em alguns momentos frágeis) das assistentes sociais, que calmamente vão tentando encaminhar as demandas que a elas chegam, elas resistem com muita determinação, fazendo valer a construção do projeto ético-político da categoria e o Código de ética da profissão que têm como compromisso maior o atendimento das demandas da classe trabalhadora. Adentrando então o espaço do Serviço social, me armei de papel e caneta e adentrei a sala de atendimento da emergência hospitalar para juntamente com a supervisora mapear demandas e traçar encaminhamentos. Nesse primeiro dia, tudo era grande e novo para mim. O primeiro atendimento foi à uma mãe que teve a filha espancada na noite anterior, o companheiro da filha a espancou, depois a amarrou e cortou a cabeça ao meio com uma faca, do meio da testa até ao pescoço, na tentativa de abrir a moça ao meio e chegar ao coração. No desenrolar da ação dele, a comunidade se revoltou e o espancou até a morte. Esse atendimento me tocou demasiadamente, traços de crueldade, ação desumana, tentei no entanto me abster de comentários, pois sabia que ali haviam questões que cabiam ao profissional que já tem experiência em casos como esse, e se gundo a supervisora, casos como esse fazem parte do cotidiano do IJF, todos os dias chegam mulheres vítimas de violência doméstica com situações tão esdrúxulas e impactantes como aquela. Faz parte da dinâmica e do funcionamento do Serviço Social do IJF a rotina de atendimentos em sala e também o atendimento diretamente na emergência, dessa forma, o assistente social fica um determinado tempo na sala e outros determinados tempos diretamente na emergência, nos corredores, local onde existem cabeças quebradas, pernas, braços, bacias quebrados, muito sangue. Finalizando os atendimentos em sala, subimos para os corredores da emergência do IJF, a emergência é um local que comparo a um campo de concentração, são cabeças partidas ao meio, ossos saindo de corpos, olhos esbugalhados, mãos e pés amarrados, há de tudo na emergência do IJF. O cheiro lá é ainda mais forte, um misto de álcool, afetamina, urinas, fezes e sangue, tudo compõe o cenário de um campo de guerra, soma-se a isso o desespero dos que acompanham, pessoas aflitas, implorando pela presença de médicos que em sua maioria passam pelos corredores como se não fizessem parte do que ali acontece, no meio disso tudo está a figura do assistente social que é o único profissional da saúde que atenta de forma mais direta e tranquila, sendo empático com as dores dos que ali se encontram. O assistente social vai de leito em leito da emergência, com seu caderno de entrevista social, material informativo sobre DPVAT e cartão de acompanhante, na maioria das vezes é até recebedor de críticas, pois todos reclamam da ausência de médicos para o assistente social. Feito a vistoria na emergência e cumpridos os atendimentos e preenchimentos de cartão de acompanhante é hora de descer mais uma vez para o Serviço Social, pois lá existem mais atendimentos a serem feitos. Ao chegar à sala, havia uma notícia de óbito, a supervisora pediu que eu não participasse porque “não conversamos ainda sobre isso” (sic). Fiquei fora da sala de atendimento esperando a finalização do atendimento, ansioso para saber qual seria o próximo passo daquela primeira tarde de estágio. Após o atendimento do óbito, a supervisora pediu 5min. Saiu e voltou com olhos vermelhos e disse que era natural chorar, confessou que às vezes faz atendimentos que necessita sair, chorar um pouco e voltar para poder concluir. Calmamente, fomos conversando sobre os instrumentais, a forma de divisão das assistentes sociais por setores do hospital e da dinâmica instaurada no hospital, juntos chegamos à conclusão de que o hospital é um reflexo direto da conjuntura social da cidade, pois o hospital é como um termômetro das questãoes de violência contra a mulher, abandono de idosos, negligência com crianças e adolescentes entre outros, tudo se ver ali, tudo esbarra lá. Chegada a hora de finalizar o dia de estágio, o microfone geral chama pela supervisora na emergência, pois havia chegado ao hospital muitos casos que precisavam da intervenção do serviço social, a supervisora se levantou, vestiu o jaleco, agradeceu e fiquei olhando sua corrida rumo ao elevador, papel caindo das pastas, uma procura frenética pela caneta nos bolsos, cabelos assanhados, e eu pensei: Isso não é teatro, isso é a vida acontecendo, para quem sofre nela e pra quem “cuida” do sofrimento dela.

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

"Das coisas que fazemos JUNTOS"

A Cia. dos Pés Grandes está de filho novo, o resultado de mais de um ano pesquisa chegou aos palcos de forma tímida em setembro desse ano no Teatro Antonieta Noronha, dentro do Projeto Sala de Ensaio. Em Outubro a Cia. Recebeu convite da Bienal Internacional de Dança do Ceará para apresentação do processo no Teatro Dragão do Mar em Fortaleza e no Galpão da Cena de Itapipoca, interior do Estado. O trabalho reflete a pesquisa sobre algumas vertentes do esporte, tendo sido mais especificamente vivenciado a partir da técnica do boxe e do atletismo. Alia-se a isso o desejo de se investigas as possibilidades de se fazer coisas juntos, em um mundo tão cheio de incompatibilidades, a urgência do encontro e de desenvolver coisas simples juntos parece um desafio cotidiano. O processo foi rico, dinâmico, como todo processo que envolve muitas pessoas (somos 12) a incompatibilidade entre presença e ausência foram marcantes na caminhada. O que mais se presentificou portanto foi o desejo de permanência, de estada, de partilha, "ficância" e uma tentativa incansável na sala de aula de equalizar as individualidades de um grupo misto, com especificidades unas e a-similares. Muito ainda a se pensar e se afetar dentro do trabalho, muito a dizer e muito a escutar. O elenco é composto por: 1. Heber Stalin - Pedagogo e Assistente social em formação, Na área de dança é formado pelo CTD, primeira turma, foi aluno do Curso de extensão da UFC - Dança e Pensamento, é Fundador, diretor geral, coreógrafo e bailarino. (chato, imaturo, embora seja o mais velho, reclama de tudo, quer sempre mais, tem manis de perfeição, cobra mais do que devia, é comprometido com a categoria profissional e com o fazer artístico) 2. Dudhu Abreu - Aluno do curso de artes cênicas do IFCE, bailarino, sapateador e integrante de outras Cias. de teatro e dança da cidade. ( Menino lindo, cara de caçula) 3. Edson Sousa - Bailarino, aluno do CTD, ex integrante do CEM tendo dançado vários repertórios em outras Cias. de dança da cidade. (Irresponsável de vez em quando, mas o talento para o sapateado - que ele nem sabe que tem - é algo a destacar - é amor, meu amor pra sempre) 4. Fabinho Vieira - Estudante de Publicidade e Propaganda, Formado pelo Colégio de direção teatral de Fortaleza, sapateador, integra outros coletivos artísticos na cidade, promove festas (Coração, pedaço que tava faltando, fashion, por mais barulhento que seja, o silêncio de sua existência é bálsamo para a minha criação, amor que veio pra ficar, vejo desejo nele inteiro) 5. Henrique Casimiro - Estudante de Secretariado executivo da UFC, Integrou a Cia. há dois anos e retornou para a pesquisa que ora se apresenta ( é xodó, criança grande, responsabilidade, o bumbum mais lindo da Cia. é pura inteligência, estratégico, segura a minha mão e me diz sempre: "Estou aqui Heber", sua integridade e caráter são verdadeiros tesouros.) 6. Jota Nogueira - Servidor Público, componente tb do Coral da UFC. ( é manso, leve, risonho, cachinhos dourados, brilha em tudo o que fala, tem altivez, é nobre, fala pouco, gosto de papear de vez em quando, parece meio voador, é dócil, é gostoso também.) 7. José Avantam - Estudante de pedagogia da UECE, Trabalha com TI, sapateia há 10 anos ( É o meu mais velho, carinho e amor antigo, olhos de menino medroso, corpo de menino bebê, é um poço de fragilidade e doçura, quando fala parece um bebê, vivemos muitas estórias juntos, é parte da minha vida, está em mim, amor mais antigo, gratidão) 8. Lucas Teófilo - Ator formando pelo IFCE, Cantor. (... misto de amigo e marido, aquele que me traz p a realidade, que me cutuca, me dá um banho de água fria, me dá tapas na cara, é aconchego, é segurança, é tudo o que há de cumplicidade, é presença - se desejar será um grande sapateador - sapateou muito rápido, o suficiente pra sapatear em mim. Príncipe) 9. Rodrigo Silva - Micro empresário, sapateador primoroso (Não tenho muito o que falar, Rodrigo é filho pródigo, a realização de minhas conquistas está nele, estilo, responsabilidade, amor ao sapateado, é meu cúmplice, meu corpo, meu olhar, tudo de mim está nele, é a perpetuação da minha dança quando eu não estiver mais aqui. Gratidão e amor eterno. Lágrimas). 10. Rubéns Lopes - Estudante do curso de dança da UFC, Diretor da Anagrama Cia. de Dança. (ai... e agora? Ele é a minha pérola negra, execução perfeita do que sonhei um dia executar, competência física e intelectual, bailarino de referencia, é lento, moroso, macio, gostoso, lindo. Gratidão, a ausencia dele em mim nunca vai existir. Paixão. Companheirismo, aquele que me entende e resolve. AMOR) 11. Saymon Morais - Ator formado pelo IFCE, Professor de Teatro. (Lindo, príncipe, pavão, gosta de ser olhado, é carinhoso, às vezes arisco, é sensível fisicamente e emocionalmente, se preocupa com o que faz, é terno, rir excessivamente, me faz bem, parece um menino em alguns momentos, dá vontade de por no colo. 12. Wallan Abreu - Pessoa de dança e de mundo, surfista, atleta ciclista. ( amante do mar, da terra, da lua e do sol, é manso, romântico, persistente, determinado como um leão, riso largo e lindo, pernas compridas, sangue de muitos, boquinha cheirosa. quanto mais luta no sapateado mais tenho adimiração.) Pessoas lindas, generosas, dispostas. Obrigado pela partilha. Sigamos.

Minha dança na escrita do cotidiano paralelo

Comecei o estágio supervisionado I em Serviço Social no dia 12.09 do corrente ano, esse dia foi um diferencial na minha vida acadêmica, pois foi a primeira vez que me deparei com a intervenção do serviço social dentro de uma política que é extremamente frágil e que na qual eu jamais havia despertado o desejo de estar inserido. A chegada ao ambiente hospitalar foi muito brusca, não há delicadeza que rompa com a dinâmica hospitalar, são tensões, movimentos, paragens, dores, tristezas, odores, tudo se mistura ao ambiente, o misto de salvar vidas com o desespero da morte é uma constante no cotidiano do serviço social hospitalar, os estreitos corredores assim como as salas de atendimento são verdaeiros labirintos, cheios de desconhecimentos, incertezas e angústias dos que ali buscam encaminhar as demandas de seus familiares em estada hospitalar. Foi assim que começou o primeiro dia de estágio, com o rompimento da minha vida pequeno-burguesa pela realidade social dos que sofrem e agonizam na política de saúde. O serviço social na instituição é bastante dinâmico, as assistentes sociais entram e saem, sobem e descem, algumas correm, algumas sentam exilando o cansaço, pessoas reclamam na porta do serviço social, idosos, crianças, mulheres, travestis, todos se aglomeram na porta do setor na tentativa de uma mínima notícia de seus familiares, querem saber se já morreram, se estão de alta, se a cirurgia foi bem, há também fome nessas pessoas, algumas desejam entrar para se alimentar ao lado dos seus pacientes, há um desejo enorme de ter, o verbo predominante é o “querer”. A dinâmica hospitalar muito me tocou nesse sentido, as imagens são fortes, o cheiro é forte, o desespero é forte, as fragilidades são fortes, é preciso dizer que o que há de mais forte no meio disso tudo é a intervenção ( embora em alguns momentos frágeis) das assistentes sociais, que calmamente vão tentando encaminhar as demandas que a elas chegam, elas resistem com muita determinação, fazendo valer a construção do projeto ético-político da categoria e o Código de ética da profissão que têm como compromisso maior o atendimento das demandas da classe trabalhadora. Adentrando então o espaço do Serviço social, me armei de papel e caneta e adentrei a sala de atendimento da emergência hospitalar para juntamente com a supervisora mapear demandas e traçar encaminhamentos. Nesse primeiro dia, tudo era grande e novo para mim. O primeiro atendimento foi à uma mãe que teve a filha espancada na noite anterior, o companheiro da filha a espancou, depois a amarrou e cortou a cabeça ao meio com uma faca, do meio da testa até ao pescoço, na tentativa de abrir a moça ao meio e chegar ao coração. No desenrolar da ação dele, a comunidade se revoltou e o espancou até a morte. Esse atendimento me tocou demasiadamente, traços de crueldade, ação desumana, tentei no entanto me abster de comentários, pois sabia que ali haviam questões que cabiam ao profissional que já tem experiência em casos como esse, e se gundo a supervisora, casos como esse fazem parte do cotidiano do IJF, todos os dias chegam mulheres vítimas de violência doméstica com situações tão esdrúxulas e impactantes como aquela. Faz parte da dinâmica e do funcionamento do Serviço Social do IJF a rotina de atendimentos em sala e também o atendimento diretamente na emergência, dessa forma, o assistente social fica um determinado tempo na sala e outros determinados tempos diretamente na emergência, nos corredores, local onde existem cabeças quebradas, pernas, braços, bacias quebrados, muito sangue. Finalizando os atendimentos em sala, subimos para os corredores da emergência do IJF, a emergência é um local que comparo a um campo de concentração, são cabeças partidas ao meio, ossos saindo de corpos, olhos esbugalhados, mãos e pés amarrados, há de tudo na emergência do IJF. O cheiro lá é ainda mais forte, um misto de álcool, afetamina, urinas, fezes e sangue, tudo compõe o cenário de um campo de guerra, soma-se a isso o desespero dos que acompanham, pessoas aflitas, implorando pela presença de médicos que em sua maioria passam pelos corredores como se não fizessem parte do que ali acontece, no meio disso tudo está a figura do assistente social que é o único profissional da saúde que atenta de forma mais direta e tranquila, sendo empático com as dores dos que ali se encontram. O assistente social vai de leito em leito da emergência, com seu caderno de entrevista social, material informativo sobre DPVAT e cartão de acompanhante, na maioria das vezes é até recebedor de críticas, pois todos reclamam da ausência de médicos para o assistente social. Feito a vistoria na emergência e cumpridos os atendimentos e preenchimentos de cartão de acompanhante é hora de descer mais uma vez para o Serviço Social, pois lá existem mais atendimentos a serem feitos. Ao chegar à sala, havia uma notícia de óbito, a supervisora pediu que eu não participasse porque “não conversamos ainda sobre isso” (sic). Fiquei fora da sala de atendimento esperando a finalização do atendimento, ansioso para saber qual seria o próximo passo daquela primeira tarde de estágio. Após o atendimento do óbito, a supervisora pediu 5min. Saiu e voltou com olhos vermelhos e disse que era natural chorar, confessou que às vezes faz atendimentos que necessita sair, chorar um pouco e voltar para poder concluir. Calmamente, fomos conversando sobre os instrumentais, a forma de divisão das assistentes sociais por setores do hospital e da dinâmica instaurada no hospital, juntos chegamos à conclusão de que o hospital é um reflexo direto da conjuntura social da cidade, pois o hospital é como um termômetro das questãoes de violência contra a mulher, abandono de idosos, negligência com crianças e adolescentes entre outros, tudo se ver ali, tudo esbarra lá. Chegada a hora de finalizar o dia de estágio, o microfone geral chama pela supervisora na emergência, pois havia chegado ao hospital muitos casos que precisavam da intervenção do serviço social, a supervisora se levantou, vestiu o jaleco, agradeceu e fiquei olhando sua corrida rumo ao elevador, papel caindo das pastas, uma procura frenética pela caneta nos bolsos, cabelos assanhados, e eu pensei: Isso não é teatro, isso é a vida acontecendo, para quem sofre nela e pra quem “cuida” do sofrimento dela.

segunda-feira, 25 de março de 2013

POR ONDE SE VÊ A DANÇA CONTEMPORÂNEA. Maravilha de texto.

O que é a dança contemporânea ou dança pós-moderna? Esta continua sendo a pergunta de muitos bailarinos, coreógrafos, professores, pesquisadores, espectadores e alunos de dança, em todos os encontros, cujo foco de discussão seja esta linguagem cênica. E, de certo, tal questão persistirá por um longo tempo, sem resposta absoluta, simplesmente, por se tratar de um modo diferente de pensar e criar a dança em outros ambientes, com diferentes linguagens artísticas e com distintos materiais. A partir de um trânsito livre de idéias, investigação e experimentação, a dança contemporânea encontra a sua própria lógica na fusão de diversos signos que, pelo corpo que dança, se convertem em signos esteticamente coreografados. A inter-relação entre dança e teatro; dança e performance; dança e literatura; dança e artes plásticas; música e tecnologia, há muito, estabeleceu diálogos no campo da criação, e isto, não é exclusivo da dança contemporânea, porém, a dança em meados dos anos 40, revela ao mundo outras maneiras de pensar-fazer tais relações na cena coreográfica contemporânea. Mas, como definir um movimento artístico de maneira única, em uma sociedade que se distanciou de uma vida disciplinar absoluta, que deixou para trás a filosofia clássica de uma sociedade “como sistema delimitado e sua substituição por uma perspectiva que se concentra na forma como a vida social está ordenada ao longo do tempo e do espaço” (Giddens apud HALL, 2005, p.67). A sociedade contemporânea está “condenada” a viver com as diferentes redes de informações, numa velocidade que dá pouco tempo ao corpo para se organizar, com os avanços e surgimentos de produtos com tecnologias mais avançadas, quer seja para o conhecimento usual no cotidiano ou para o uso na cena. A dança contemporânea nasce com os preceitos da contemporaneidade e carrega, em si, as constantes modificações dos processos do mundo globalizado, o que implica dizer que este gênero de criação vive as questões referentes ao seu tempo, mas, seria muito ingênuo pensar esta prática em função do tempo contemporâneo, apenas. A questão da reflexão sobre a dança contemporânea não está restrita ao tempo, no sentido dos acontecimentos nele ocorridos, mas, na proposição dos signos estéticos configurados à imanência de sua poética, capazes de criar e transformar a realidade dos materiais derivados de outros fazeres, em um saber-fazer-dizer, de modos REVISTA ENSAIO GERAL, Belém, v.1, n.1, jan-jun|2009 diferentes. Do seu jeito particular de sentir, de ver, de recriar e resignificar, ao sabor do devir (DELEUZE, 2006), num jogo de deixar vir a ser a essência de sua própria criação e do seu olhar do mundo. Uma criação que transporta uma estética que articula vários elementos provenientes de outras áreas do conhecimento e encontra um modo particular e, ao mesmo tempo universal, que não se escraviza a uma técnica de criação e, muito menos, de preparação corporal. A toda nova criação, o artista encontra o seu rumo de investigação, o campo de experimentações e vivências é, inegavelmente, conquistado por cada criador que elabora o seu método de pesquisar e de estar em cena. A professora e pesquisadora Denise Siqueira prefere pensar, conceitualmente, dança contemporânea como um “guarda-chuva que abarca construções coreográficas muito diversas de variados lugares e culturas ao redor do mundo” (SIQUEIRA, 2006, p. 107). Neste terreno movediço, por onde caminha este gênero de dança, não dá para tecer nenhum diálogo uníssono, sobretudo, pela ousadia e coragem criativa (MAY, 1975) de colocar o corpo na cena. Corpo este, também, formado por vários acontecimentos grudados na memória de cada célula corporal, que transporta tanto no cotidiano, quanto para a cena coreográfica, diferentes modos e estados de ver, sentir e de estar em comunicação no e com o mundo. Trata-se de uma dança que não exclui absolutamente nada, nem ninguém, ao contrário, é capaz de abraçar diferentes linguagens e objetos da cena na mesma montagem. Uma de suas características concentra-se na possibilidade de articulação com várias áreas do saber, em dinâmicas e processos de criações marcadas pela pluralidade de idéias e estéticas, em constante recriação, reconfiguração e de reconhecimento de uma linguagem transdisciplinar que, pelo diferencial do fazer-dizer diverso, convida artistas, críticos e público em geral ao diálogo do múltiplo. A maneira como se pensa a cena de dança contemporânea tornase grande desafio, tanto para os artistas, quanto para o público que, constantemente, é chamado a descobrir outra maneira de ver, sentir e de dialogar com a obra coreográfica, tarefa essa, cada vez mais difícil e estranha, para alguns olhos que ainda tentam conviver e se acostumar com a velocidade das informações de um mundo, hoje, com fronteiras tênues. Mas de quais fronteiras, na dança, estamos falando? E há quanto tempo dizemos e lemos em vários artigos que as fronteiras são tênues? A impressão é que ainda temos receio de assumir que as porteiras já se abriram e romperam completamente, ou será que não? Talvez, nos sintamos mais tranqüilos em pensar que ainda há um fio não rompido, esteticamente, do período que antecedeu o fazer-pensar na pósmodernidade. Daí, continuarmos a falar de ensino e pesquisa em dança contemporânea, que ainda faz uso de técnicas sistematizadas há mais de REVISTA ENSAIO GERAL, Belém, v.1, n.1, jan-jun|2009 três séculos. Então, de que dança contemporânea falamos e fazemos? E como afirmar que estamos diante de uma montagem de dança contemporânea? E será que ainda precisamos de afirmação desta ordem? Contudo, não estamos pensando que é preciso esquecer, definitivamente, os acontecimentos do passado, afinal, eles foram importantes para as transformações que vivenciamos agora, mas, fazendo um convite para refletir sobre a criação em dança que continua em ascensão nos fenômenos contemporâneos e, portanto, como fruto de um mundo de ruptura, de fragmento e desterritorializado em constante transmutação. Na contramão de tantas questões paradigmáticas, este gênero de dança felizmente existe e agrega, em seu fazer, valores e reconhecimentos de uma arte em constante processo, aberta às inúmeras experimentações e leituras que, inscritas no corpo, não podem ser entendidas fora dele e, além disso, propõe um discurso que inaugura outra perspectiva de olhar e fazer a dança. A experimentação e a liberdade de criação encontram, na dança contemporânea, o campo fértil para o sentido do novo, naquilo em que o corpo-sujeito que dança, ainda não vivenciou, algo diferente, que propõe distanciamento dos estereótipos coreográficos já existentes. A condição de experimentar e vivenciar os acontecimentos no corpo contemporâneo é inegavelmente maior. Observamos que existiram momentos nos processos criativos que pareciam querer iniciar certa sistematização de seqüências de movimentos, quer sejam de aulas desta estética coreográfica, ou nas criações propriamente. Nos anos 80, as coreografias contemporâneas enfatizavam em suas composições os elementos da corrida, saltos, rolamentos, acrobacias, quedas e, praticamente nada, além disso. Em todos os festivais, lá estavam os mesmos elementos colocados em ordens diferentes, sem nenhuma pesquisa que apontasse um elemento surpresa. Na década seguinte, a reflexão acerca deste movimento nos fez avançar em direção às novas pesquisas que imprimissem na cena a diferença, reconhecendo, de modo contumaz, os métodos subjetivos de cada criador, como o meio de reflexão, ousadia, estranhamento e coragem de lidar com diferentes materiais na concretização de uma dança mais autoral, que não se encontra em nenhuma fronteira tênue, que não quer se fechar em códigos geradores de conceitos estereotipados, que não divide a performance, o teatro, o canto, a literatura, as artes plásticas, ou qualquer outro fenômeno de comunicação. Ao contrário, junte as várias linguagens para criar uma terceira, cujo significado encontra-se no interior das formas imbricadas de um corpo capaz de dançar e cantar, simultaneamente, de falar um texto enquanto dança, de pintar o chão com o corpo enquanto dança, de improvisar para criar a dança no instante em que entra no palco. Então, onde está a fronteira? REVISTA ENSAIO GERAL, Belém, v.1, n.1, jan-jun|2009 Não há fronteiras para ver e fazer a dança, como não há regras rígidas para criar, na cena contemporânea. Os coreógrafos e pesquisadores contemporâneos têm a liberdade de trabalhar com corpos desprovidos de preconceitos, livres de quaisquer paradigmas que possam frear a liberdade de experimentar o inesperado. É difícil afirmamos que a tendência estética na dança contemporânea vai nesta ou naquela direção, acredito que a tendência esteja estreitamente conectada à idéia de cada criador, portanto, são muitas as direções neste campo de investigação. Aqui, impera a idéia conceitual daquilo que queremos, como criadores, comunicar pela estética de nossos resultados artísticos. Por onde se vê a dança? Por onde se dança? Não se vê por um único canal, não se dança da mesma maneira e nem no mesmo tempoespaço. O que está por trás de cada criação deve ser descoberto, como nos lembra Mikail Bakhtin, no interior das formas e conteúdos que, numa fração de segundos, na dança, passam à frente de nossos olhos, em movimentos e fluxos coreográficos que, temporariamente, na cena, imprimem a semântica que lhe é peculiar (BAKHTIN, 2000). A dança de que falamos nos lembra o mestre Mercer Cunningham, pode ser concebida e encenada em qualquer lugar, para qualquer corpo, com ou sem música, com ou sem narrativa e o acaso é mais uma característica do que pode a dança e o corpo na cena contemporânea. Trata-se de uma gramática coreográfica que não se restringe a um único código de movimento, portanto, um fazer múltiplo: de múltiplos olhares, de múltiplas escolhas, de múltiplos diálogos e dramaturgias. O pensamento e o fazer que redimensionam a dança contemporânea, em todo o seu sistema simbólico, encontram na alteridade a principal chave para o olhar diverso de cada obra escrita no corpo. A perspectiva de criação é certamente a mais distinta, uma vez que se distancia da idéia de sistematização de um único fazer, e não se deixa aprisionar por uma determinada regra. As técnicas, os materiais e os artifícios usados pelos artistas não estão vazios, ao contrário, em suas formas estão contidos inúmeros significados que, somados às idéias do criador em dança, revelam outras possibilidades de comunicação numa perspectiva inovadora. Neste universo ousado de recriar e inovar, novos instrumentos deste mundo industrial capitalista entram em cena, nos processos criativos coreográficos. O mundo das sofisticadas máquinas de alta tecnologia ganha mais espaços na dança. Assim, o computador é, hoje, não apenas mais uma ferramenta para gravar e reproduzir CD, DVD, ou para simplesmente digitar um texto. Na dança, é mais um relevante instrumento, que modifica o fazer e o olhar de criadores, que experimentam os recursos tecnológicos e reinventam outros modos diferentes de usar os aparatos da tecnologia, na fusão com a dança. REVISTA ENSAIO GERAL, Belém, v.1, n.1, jan-jun|2009 A linguagem do audiovisual, entrelaçada com a linguagem da dança, fez insurgir no mundo da dança contemporânea o que hoje conhecemos como linguagem da vídeodança. Uma prática artística que nada tem a ver com o registro simples e fiel de uma obra coreográfica, ao contrário, tem uma relação entre corpo, câmera, tempo-espaço, numa proposição de fusão entre linguagens em ambientes diversos. Para o professor Alexandre Veras “uma invenção de um espaço de pesquisa que explora diversas relações possíveis entre a coreografia, como um pensamento dos corpos no espaço e o audiovisual, como um dispositivo de modulação das variações espaços-temporais” (VERAS, 2007, p.15). O cenário da dança contemporânea expande-se no campo do não limite e é tanto da natureza cibernética, quanto da natureza corporal. A questão está na escolha dos materiais e na maneira operacional dos mesmos, em signos estéticos, de modo que a recepção, o processamento e a comunicação sempre se darão entre os corpos. À guisa da reflexão particular acerca do contexto da dança contemporânea, vale comungar com a pesquisadora e professora Helena Katz, que vê a dança como “o pensamento do corpo, e esse corpo, como a mídia básica, exemplar dos processos de comunicação da natureza” (KATZ, 2003, p.262), é pela natureza do corpo que as informações se cruzam e, deste mesmo lugar, emerge a recepção, a comunicação e a transformação na dança. Um exercício permanente de organizar os signos e seus sistemas conceituais para, em seguida, convertê-los em movimentos metafóricos do corpo que é dança e assim, aprofundar o olhar de quem dança e dialoga à luz de uma poética contemporânea, eminentemente, transdisciplinar e herdeira de vários filamentos ramificados, ao longo da evolução do fazer-pensar-dançar. Aqui reside a idéia do “guarda-chuva” como o local que abriga todas as poéticas coreográficas contemporâneas, entre elas, a dança-teatro, a vídeo-dança e todas as outras possibilidades de fusão estética coreográfica que o artista continua a investigar. REFERÊNCIAS BAKHTIN, Mikail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2000. DELEUZE, Gilles. Lógica do sentido. São Paulo: Perspectiva, 2006. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2005. KATZ, Helena. A dança, pensamento do corpo. In. NOVAES, Adauto. (Org.). O homem máquina: a ciência manipula o corpo. São Paulo Texto de Waldete BRITO Doutoranda em Artes Cênicas (UFBA). Mestre em Artes Cênicas-UFBA. Intérprete Criadora, Diretora Artística e Professora da Escola de Teatro e Dança da UFPA (ETDUFPA).

Texto importantíssimo na minha vida!

– Tu faz dança? Que legal! Mas que tipo de dança? – Dança contemporânea. O sujeito fica parado e depois de vencer o constrangimento: – Mas o que é essa tal de dança contemporânea? Daí o vivente, que faz dança contemporânea e sabe bem o que faz, se vê em apuros para dar uma resposta clara. Afinal, dança contemporânea não é uma técnica ou método que vem com rótulo. Então, ele arrisca: – Sabe o Quasar Cia. de Dança? – que o vivente acha referência no país e crê ser bastante conhecida. O sujeito permanece na mesma. – E o Grupo Corpo? – ele lembra, já entrando em desespero. – E Deborah Colker? – ainda que não fosse o melhor exemplo que você quisesse dar. – Ah, já vi na televisão, responde o sujeito finalmente com um brilho no olhar de quem agora pode encerrar a conversa. E o vivente, com a certeza de que não conseguiu explicar e que melhor que explicar era sugerir que assistisse a um espetáculo. A realidade é esta que o suposto diálogo acima ilustra. A idéia de dança contemporânea não consolidou uma referência para a maioria do público (e mesmo para a comunidade de dança), ainda mais num Estado que vê com desconfiança aquilo que não é tradição. E isso vale muitas vezes para quem produz, ou acha que produz, dança contemporânea. Basta ver a confusão em tantos festivais competitivos. O território da dança contemporânea é um vale-tudo. Passos de jazz com música experimental. Neoclássico ao som do diálogo dos bailarinos. Dança de rua com um toque de vanguarda. E a obra, nesta lógica estapafúrdia, é avaliada por especialistas de toda ordem, menos de dança contemporânea. Esta realidade tem como origem a rara circulação de informações e o consumo de informações descontextualizadas e superficialmente elaboradas. A qualidade dessas informações é essencial e precisa ser difundida a quem pretende preparar um treinamento, criar, julgar e apreciar a dança contemporânea. Não dá para saborear morangos e reclamar de que não têm gosto de figos. Ninguém curte uma partida de futebol sem conhecer as regras do jogo. Nesse sentido, é preciso apresentar alguns fatos, ainda que de forma sintética, para que eles possam falar desta tal de dança contemporânea. Fato 1. A dança contemporânea não é uma escola, tipo de aula ou dança específica, mas sim um jeito de pensar a dança. Forjada por múltiplos artistas no mundo, teve nas propostas da Judson Church, em Nova York, na década de 60, sua mais clara formulação de princípios. Dentre eles, o de que cada projeto coreográfico terá de forjar seu suporte técnico. E que ter um projeto é percorrer escolhas coerentes, como o fez Trisha Brown – e também, longe dali, na Alemanha, Pina Bausch, com sua dança-teatro, nos anos 70. Tal princípio implicou tanto a preservação de aulas de balé nutridas por outras técnicas e linguagens quanto o abandono do balé e a incorporação, por exemplo, de técnicas orientais. Assim, passou a se constituir uma infinidade de alternativas, como o teatro-físico do DV-8 (companhia inglesa composta só por homens, que aborda a homofobia e que recorreu ao uso de corpos que expressam força, agressividade e sexualidade, coisa que o balé não podia fornecer). Fato 2. Não há modelo/padrão de corpo ou movimento. Portanto, a dança não precisa assombrar por peripécias virtuosas e nem partir da premissa de que há “corpos eleitos”. Na dança contemporânea, a máxima repetida por pedagogos ortodoxos de que “não é tu que escolhes a dança, mas a dança que te escolhe” não tem sustentação. E, dessa forma, pode-se reconhecer a diversidade e estabelecer o diálogo com múltiplos estilos, linguagens e técnicas de treinamento. Fato 3. Dança é dança. A dança contemporânea reafirma a especificidade da arte da dança. Dança não é teatro, nem cinema, literatura ou música. Apesar de poder ganhar muito com a cooperação dessas artes. A dança não precisa de mensagem, de história e mesmo de trilha sonora. O corpo em movimento estabelece sua própria dramaturgia, sua musicalidade, suas histórias, num outro tipo de vocabulário e sintaxe. Fato 4. The Mind is a Muscle, proclamou Yvone Rainer quando a dança pós-moderna norte-americana abalava o estabilishment. Pensamento e corpo, tão separados na tradição ocidental, não são entendidos como lugares estranhos um ao outro. Até mesmo a ciência já traz evidências de que razão e emoção não são opostos. O pensamento se faz no corpo e o corpo que dança se faz pensamento. Isso não implica uma cerebralização fria, no caminho de uma dança conceitual, nem na biologização vazia da dança. Tal princípio não exime a qualidade técnica, nem o sabor e o prazer de dançar. Ele ressalta a complexidade que precisa ser compreendida. Tais fatos precisam começar a ecoar, se o objetivo é saber o que é esta tal de dança contemporânea, que as pessoas insistem em dizer que fazem e que insiste em permanecer em cartaz em teatros, calçadas, estúdios. (Não foi à toa que Fato. se chamava o recente e provocante espetáculo da coreógrafa gaúcha Tatiana da Rosa.) Fatos que estão se estabelecendo em obras sensíveis e inteligentes, construídas dentro destes princípios na temporada 2005, em Porto Alegre, como In-compatível, de Eduardo Severino, ou Bu, da Meme – Centro Experimental do Movimento. A mesma qualidade está no trabalho de Nei Moraes, em Caxias do Sul, e Luciana Paludo, em Cruz Alta. A partir desses fatos, pode-se muito (mas não se pode qualquer coisa). A liberdade trazida pela perspectiva da dança contemporânea não dispensa idéias fortes e a inventividade das grandes obras de qualquer forma artística, nem um domínio técnico (ainda que isso não caiba mais apenas nas esfera do aprendizado de passos corretos). A dança contemporânea evidencia que escolhas estéticas revelam posturas éticas. Numa época de tantas barbáries impostas ao corpo, é preciso recuperar esta ética quando se escolhe fazer arte com o corpo – seja o seu, seja (principalmente) o dos outros. A dança contemporânea parece ter aceitado a provocação, com ecos de contemporaneidade, de Jean George Noverre. O mestre de dança, em 1760, ao falar sobre o balé e as rígidas regras da dança da época, afirmava: “Será preciso transgredi-las e delas se afastar constantemente, opondo-se sempre que deixarem de seguir exatamente os movimentos da alma, que não se limitam necessariamente a um número determinado de gestos”. Num mundo de tantas conquistas e descobertas sobre nós, seres humanos, seria no mínimo redutor ficar tratando a dança como apenas uma repetição mecânica de passos bem executados. Fazer tais passos, na música, ursos, cavalos e poodles também fazem. Creio que o ser humano pode ir mais longe que isso. Talvez este seja o incômodo proposto por esta tal de dança contemporânea. O de que podemos ser mais e muitos. Airton Tomazzoni.

Além do Ponto.

Maravilhoso texto de Caio Fernando Abreu, do livro Morangos Mofados, uma das primeiras leituras intensas que tive na vida... aos 14 anos de idade! ALÉM DO PONTO Chovia, chovia, chovia e eu ia indo por dentro da chuva ao encontro dele, sem guarda-chuva nem nada, eu sempre perdia todos pelos bares, só levava uma garrafa de conhaque barato apertada contra o peito, parece falso dito desse jeito, mas bem assim eu ia pelo meio da chuva, uma garrafa de conhaque na mão e um maço de cigarros molhados no bolso. Teve uma hora que eu podia ter tomado um táxi, mas não era muito longe, e se eu tomasse o táxi não poderia comprar cigarros nem conhaque, e eu pensei com força então que seria melhor chegar molhado da chuva, porque aí beberíamos o conhaque, fazia frio, nem tanto frio, mais umidade entrando pelo pano das roupas, pela sola fina esburacada dos sapatos, e fumaríamos, beberíamos sem medidas, haveria música, sempre aquelas vozes roucas, aquele sax gemido e o olho dele posto em cima de mim, ducha morna distendendo meus músculos. Mas chovia ainda, meus olhos ardiam de frio, o nariz começava a escorrer, eu limpava com as costas das mãos e o líquido do nariz endurecia logo sobre os pêlos, eu enfiava as mãos avermelhadas no fundo dos bolsos e ia indo, eu ia indo e pulando as poças d’água com as pernas geladas. Tão geladas as pernas e os braços e a cara que pensei em abrir a garrafa para beber um gole, mas não queria chegar na casa dele meio bêbado, hálito fedendo, não queria que ele pensasse que eu andava bebendo, e eu andava, todo dia um bom pretexto, e fui pensando também que ele ia pensar que eu andava sem dinheiro, chegando a pé naquela chuva toda, e eu andava, estômago dolorido de fome, e eu não queria que ele pensasse que eu andava insone, e eu andava, roxas olheiras, teria que ter cuidado com o lábio inferior ao sorrir, se sorrisse, e quase certamente sim, quando o encontrasse, para que não visse o dente quebrado e pensasse que eu andava relaxando, sem ir ao dentista, e eu andava, e tudo que eu andava fazendo e sendo eu não queria que ele visse nem soubesse, mas depois de pensar isso me deu um desgosto porque fui percebendo, por dentro da chuva, que talvez eu não quisesse que ele soubesse que eu era eu, e eu era. Começou a acontecer uma coisa confusa na minha cabeça, essa história de não querer que ele soubesse que eu era eu, encharcado naquela chuva toda que caía, caía, caía e tive vontade de voltar para algum lugar seco e quente, se houvesse, e não lembrava de nenhum, ou parar para sempre ali mesmo naquela esquina cinzenta que eu tentava atravessar sem conseguir, os carros me jogando água e lama ao passar, mas eu não podia, ou podia mas não devia, ou podia mas não queria ou não sabia mais como se parava ou voltava atrás, eu tinha que continuar indo ao encontro dele, que me abriria a porta, o sax gemido ao fundo e quem sabe uma lareira, pinhões, vinho quente com cravo e canela, essas coisas do inverno, e mais ainda, eu precisava deter a vontade de voltar atrás ou ficar parado, pois tem um ponto, eu descobria, em que você perde o comando das próprias pernas, não é bem assim, descoberta tortuosa que o frio e a chuva não me deixavam mastigar direito, eu apenas começava a saber que tem um ponto, e eu dividido querendo ver o depois do ponto e também aquele agradável dele me esperando quente e pronto. Um carro passou mais perto e me molhou inteiro, sairia um rio das minhas roupas se conseguisse torcê-las, então decidi na minha cabeça que depois de abrir a porta ele diria qualquer coisa tipo mas como você está molhado, sem nenhum espanto, porque ele me esperava, ele me chamava, eu só ia indo porque ele me chamava, eu me atrevia, eu ia além daquele ponto de estar parado, agora pelo caminho de árvores sem folhas e a rua interrompida que eu revia daquele jeito estranho de já ter estado lá sem nunca ter, hesitava mas ia indo, no meio da cidade como um invisível fio saindo da cabeça dele até a minha, quem me via assim molhado não via nosso segredo, via apenas um sujeito molhado sem capa nem guarda-chuva, só uma garrafa de conhaque barato apertada contra o peito. Era a mim que ele chamava, pelo meio da cidade, puxando o fio desde a minha cabeça até a dele, por dentro da chuva, era para mim que ele abriria sua porta, chegando muito perto agora, tão perto que uma quentura me subia para o rosto, como se tivesse bebido o conhaque todo, trocaria minha roupa molhada por outra mais seca e tomaria lentamente minhas mãos entre as suas, acariciando-as devagar para aquecê-las, espantando o roxo da pele fria, começava a escurecer, era cedo ainda, mas ia escurecendo cedo, mais cedo que de costume, e nem era inverno, ele arrumaria uma cama larga com muitos cobertores, e foi então que escorreguei e caí e tudo tão de repente, para proteger a garrafa apertei-a mais contra o peito e ela bateu numa pedra, e além da água da chuva e da lama dos carros a minha roupa agora também estava encharcada de conhaque, como um bêbado, fedendo, não beberíamos então, tentei sorrir, com cuidado, o lábio inferior quase imóvel, escondendo o caco do dente, e pensei na lama que ele limparia terno, porque era a mim que ele chamava, porque era a mim que ele escolhia, porque era para mim e só para mim que ele abriria a sua porta. Chovia sempre e eu custei para conseguir me levantar daquela poça de lama, chegava num ponto, eu voltava ao ponto, em que era necessário um esforço muito grande, era preciso um esforço tão terrível que precisei sorrir mais sozinho e inventar mais um pouco, aquecendo meu segredo, e dei alguns passos, mas como se faz? me perguntei, como se faz isso de colocar um pé após o outro, equilibrando a cabeça sobre os ombros, mantendo ereta a coluna vertebral, desaprendia, não era quase nada, eu, mantido apenas por aquele fio invisível ligado à minha cabeça, agora tão próximo que se quisesse eu poderia imaginar alguma coisa como um zumbido eletrônico saindo da cabeça dele até chegar na minha, mas como se faz? eu reaprendia e inventava sempre, sempre em direção a ele, para chegar inteiro, os pedaços de mim todos misturados que ele disporia sem pressa, como quem brinca com um quebra-cabeça para formar que castelo, que bosque, que verme ou deus, eu não sabia, mas ia indo pela chuva porque esse era meu único sentido, meu único destino: bater naquela porta escura onde eu batia agora. E bati, e bati outra vez, e tornei a bater, e continuei batendo sem me importar que as pessoas na rua parassem para olhar, eu quis chamá-lo, mas tinha esquecido seu nome, se é que alguma vez o soube, se é que ele o teve um dia, talvez eu tivesse febre, tudo ficara muito confuso, idéias misturadas, tremores, água de chuva e lama e conhaque no meu corpo sujo gasto exausto batendo feito louco naquela porta que não abria, era tudo um engano, eu continuava batendo e continuava chovendo sem parar, mas eu não ia mais indo por dentro da chuva, pelo meio da cidade, eu só estava parado naquela porta fazia muito tempo, depois do ponto, tão escuro agora que eu não conseguiria nunca mais encontrar o caminho de volta, nem tentar outra coisa, outra ação, outro gesto além de continuar batendo batendo batendo batendo batendo batendo batendo batendo batendo batendo batendo batendo batendo nesta porta que não abre nunca. In Morangos Mofados

Impressões de uma descoberta de corpo e dança.

"alongamento, luta, coreografia, repetição, suor, sorrisos, dança, dança, dança, sapateado, cansaço, pausa, água, água, água, café, correção, conseguir, tentativa, música, reencontro, hoje eu é que digo: QUE DOMINGO LINDO! Rodrigo Silva, sua alegria de estar ali contagia a todos! Como é bom senti-la! Rubéns Lopes, você é essencial, Wallan Abreu, sua empolgação é linda, Dudhu Abreu, adoro sua presença tão nova e já tão marcante entre a gente, Samuel Lopes, a tua observação não é a toa, tenho certeza, Dario Dariurtz, ficou faltando você ali com a gente que sapateia menos hoje rsrsrs, Saymon Morais, seus braços balançaram menos hoje hein rsrsrs Heber Stalin, foi lindo te ver feliz por ver aquele palco cheio de gente nova e antiga, além da energia que te alimenta e você sempre faz questão de dizer! LINDOSSSSSSSSSS!!!! Bom finzinho de domingo a todos!" Lucas Teófilo Ator, Bailarino da Cia. dos Pés Grandes.

Santo Agostinho me faz dançar!

"Eu louvo a Dança, pois ela liberta as pessoas das coisas, unindo os dispersos em comunidade. Eu louvo a Dança que requer muito empenho, que fortalece a saúde, o espírito iluminado e transmite uma alma alada. Dança requer o homem libertado, ondulado no equilíbrio das coisas. Por isso eu louvo a Dança. A Dança exige o homem todo ancorado em seu centro para que não se torne, pelos desejos desregrados, possesso de pessoas e coisas, e arranca-o da demonia de viver trancado em si mesmo. Ó homem, aprende a Dançar! Caso contrário, os anjos não saberão o que fazer contigo." Santo Agostinho.

Cidadania? Pura LUTA!

É bastante paralisante o momento que antecede uma escrita sobre cidadania e seguridade social no Brasil, principalmente se levarmos em consideração o caos instaurado pela lógica do capital, a imperatividade do neoliberalismo e a fragilidade do conhecimento do que se é direito ou não por parte dos brasileiros. É importante dizer, que quando se fala sobre “Fragilidade do conhecimento” não é na tentativa de culpabilizar o povo brasileiro, pois é sabido que, essas mesmas fragilidades são inerentes à perversidade do sistema capitalista que retalha as possibilidades do conhecimento garantindo o saber apenas aos que por ele podem pagar, ou seja, à classe burguesa. Diferente dos modos de operacionalização de seguridade social desenvolvida em países de primeiro mundo como Alemanha e Inglaterra, o Brasil fica à mercê única e exclusivamente da capacidade produtiva do trabalhador como mérito ao seguro. Ou seja, se o trabalhador está servindo ao mercado ele terá sua seguridade, ou parte dela, garantida; quanto aos que não trabalham – porque não conseguem competir no mercado de trabalho, ou porque não conseguiram acessar políticas públicas que lhes garantissem a concorrência a vagas no mercado de trabalho – ficam à mercê de benefícios operacionalizados no âmbito da política de assistência social ou ainda à tutela de programas assistencialistas e de caridade. Sobre isso, Ivanete Boschetti ressalta que: “Historicamente, o acesso ao trabalho sempre foi condição para garantir o acesso à seguridade social. Por isso, muitos trabalhadores desempregados não têm acesso a muitos direitos da seguridade social, sobretudo à previdência, visto que essa se move pela lógica do contrato, ou do seguro social. A seguridade social brasileira, instituída com a constituição brasileira de 1988, incorporou princípios desses dois modelos, ao restringir a previdência aos trabalhadores contribuintes, universalizar a saúde e limitar a assistência social a quem dela necessitar.” (BOSCHETTI. 2008) A autora se refere aos modelos Bismarckiano e Beveridgiano como propulsores de uma lógica de seguridade social. O Primeiro desenvolvido na Alemanha ainda no século XIX tinha caráter privatizador, era garantido ao trabalhador alemão os direitos à seguridade conforme sua capacidade monetária de contribuir. O segundo modelo, desenvolvido na Inglaterra nos idos de 1940, após a segunda guerra mundial, dizia respeito a uma seguridade de caráter universalizante, segundo a autora “os direitos têm caráter universal, destinados a todos os cidadãos incondicionalmente ou submetidos a condições de recursos, mas garantindo mínimos sociais a todos em condições de necessidade” (BOSCHETTI, 2008). No Brasil, se fizermos uma análise comparativa poderíamos talvez colocar que a seguridade social segue o modelo Bismarckiano com o discurso de um modelo Beveridgiano, posto que a política neoliberal do país nos empurra massivamente o slogan de um “país de todos” baseado talvez, na ideologia do modelo Beveridgiano que objetivava a luta contra a pobreza. Porém, quando se trata de privatização, está se falando também de aumento de pobreza, nessa perspectiva, é impossível se falar em equidade social e cidadania. É justamente no âmbito da impossibilidade que os conceitos de cidadania e equidade social se misturam no cenário da seguridade social brasileira, ora, se na lógica do capitalismo, sistema desigual, que oprime, aliena e ludibria a classe trabalhadora (cidadãos?) em detrimento de uma exploração cada vez maior e mais assoladora, como falar em seguridade social e lógica social? Como falar em igualdade de direitos de acessos? Uma previdência que se instaura – como de direito – apenas àqueles que por elas podem pagar, pode ser reconhecida como uma política de seguridade social? Qual é a lógica social desse fato? Somente conhecendo por dentro as artimanhas do capitalismo e levando em consideração suas características de apartheid é possível se achar, ainda que revoltosamente, uma lógica. O que temos que ter em mente é lucidamente o fato de que vivemos regidos por um sistema que se manifesta de forma cruel, não leva em conta os que sofrem com a precarização do trabalho – ou melhor – necessita da precarização do trabalho, pois dessa forma tem cada vez mais a seus pés trabalhadores pedindo para serem explorados, e assim não prega em condições nem mesmo mínimas as diretrizes (se é que estas existem) de cidadania. Em se tratando de Seguridade Social podemos dizer então que o capitalismo não possibilita a todos o acesso ao emprego, que por sua vez o emprego – principalmente os extremamente precarizados – não possibilita o acesso à previdência, e que por ser assim organizada essa estrutura, vai desembocar diretamente na assistência social, que dentro da organização da previdência é oferecida a quem dela necessita. Dessa forma, o modelo de seguridade social brasileira, para além do que coloca Ivanete Boschetti em seu texto “Seguridade social no Brasil: Conquistas e limites à sua efetivação” está relegada ao assistencialismo e às ações de filantropia desenvolvidas por instituições de caridade, pois é sabido que existem famílias que vivem há mais de dez anos da oferta de cestas básicas de determinadas instituições, assim, o que deveria ser dever do Estado fica a mercê da população, o Estado tem intervenção mínima e o neoliberalismo confortavelmente ganha forças, como um caminho que não tem mais volta. Um país marcado por ditaduras e coronelismos, que tem uma história de desenvolvimentismo em detrimento de uma história de desenvolvimento e de populismo em detrimento de popular, não poderia de forma rápida e acrítica se chegar a uma lógica de seguridade social que abrangesse a todos. As resoluções para esse problema talvez tenham realmente suas raízes fincadas no passado, no início da organização do país como nação “independente”. Pagamos alta a conta por uma independência que não permite autonomia aos que aqui trabalham e se nos governantes se instaura o peso da dívida externa, que é paga com os descontos dos salários dos trabalhadores, nos trabalhadores se instaura, cordialmente como disse Sérgio Buarque de Holanda, o peso do “muito obrigado” a quem a lhes ofereceu o pão para saciar a fome. Nessa realidade o país vai se travestindo de emergente, negando os direitos dos trabalhadores e enriquecendo cada vez mais uma pequena parte da população, enquanto isso, o ciclo da pobreza aumenta e com ele uma série de questões que ao senso comum são apenas cotidianidade. Por fim, a Seguridade no Brasil é frágil, quase inexistente para parte da população e totalmente inexistente para uma grande massa, pensar em cidadania nessa perspectiva é tentar disfarçar o que políticas paliativas tentam esconder por dentro de suas artimanhas de alcance e populismo. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BOSCHETTI, Ivanete – Seguridade social no Brasil: conquistas e limites à sua efetivação. – Direitos Sociais e competência profissional – 2008 HOLANDA, Sérgio Buarque – Raízes do Brasil. 26ª edição. Cia. Das Letras. São Paulo. 1995.

Recomeçar... trocar roupas, mudar peles...

O Haver Resta, acima de tudo, essa capacidade de ternura Essa intimidade perfeita com o silêncio Resta essa voz íntima pedindo perdão por tudo - Perdoai! eles não têm culpa de ter nascido... Resta esse antigo respeito pela noite, esse falar baixo Essa mão que tateia antes de ter, esse medo De ferir tocando, essa forte mão de homem Cheia de mansidão para com tudo que existe. Resta essa imobilidade, essa economia de gestos Essa inércia cada vez maior diante do Infinito Essa gagueira infantil de quem quer balbuciar o inexprimível Essa irredutível recusa à poesia não vivida. Resta essa comunhão com os sons, esse sentimento Da matéria em repouso, essa angústia da simultaneidade Do tempo, essa lenta decomposição poética Em busca de uma só vida, uma só morte, um só Vinicius. Resta esse coração queimando como um círio Numa catedral em ruínas, essa tristeza Diante do cotidiano; ou essa súbita alegria Ao ouvir na madrugada passos que se perdem sem memória. Resta essa vontade de chorar diante da beleza Essa cólera cega em face da injustiça e do mal-entendido Essa imensa piedade de si mesmo, essa imensa Piedade de sua inútil poesia e de sua força inútil. Resta esse sentimento da infância subitamente desentranhado De pequenos absurdos, essa tola capacidade De rir à toa, esse ridículo desejo de ser útil E essa coragem de comprometer-se sem necessidade. Resta essa distração, essa disponibilidade, essa vagueza De quem sabe que tudo já foi como será e virá a ser E ao mesmo tempo esse desejo de servir, essa Contemporaneidade com o amanhã dos que não têm ontem nem hoje. Resta essa faculdade incoercível de sonhar De transfigurar a realidade, dentro dessa incapacidade De aceitá-la tal como é, e essa visão Ampla dos acontecimentos, e essa impressionante. E desnecessária presciência, e essa memória anterior De mundos inexistentes, e esse heroísmo Estático, e essa pequenina luz indecifrável A que às vezes os poetas dão o nome de esperança. Resta essa obstinação em não fugir do labirinto Na busca desesperada de uma porta quem sabe inexistente E essa coragem indizível diante do grande medo E ao mesmo tempo esse terrível medo de renascer dentro da treva. Resta esse desejo de sentir-se igual a todos De refletir-se em olhares sem curiosidade e sem história Resta essa pobreza intrínseca, esse orgulho, essa vaidade De não querer ser príncipe senão do seu reino. Resta essa fidelidade à mulher e ao seu tormento Esse abandono sem remissão à sua voragem insaciável Resta esse eterno morrer na cruz de seus braços E esse eterno ressuscitar para ser recrucificado. Resta esse diálogo cotidiano com a morte, esse fascínio Pelo momento a vir, quando, emocionada Ela virá me abrir a porta como uma velha amante Sem saber que é a minha mais nova namorada.