quinta-feira, 28 de junho de 2012

Vermelho na ALMA

De trabalho e de encontro a vida se fortalece e se faz intensa, interessante, alegre, discursiva, polêmica, inbtegrativa, afetiva, estável, leve, pesada... é contraditória. Porém é a Vida! Dançar onde estiver, com quem estiver, da forma possível de potencializar alegrias, enganar o tédio,ou como disse o poeta transformá-lo em melodia, com os pés, com os braços, com olhares, com assovios, com silêncios. Eu quero um hoje potente, com alegrias verdadeiras, risos espontâneos e pessoas acreditando cada vez mais em revoluções, sejam elas pequenas, médias ou grandes, mas que existam dentro de nós. Eu quero uma paixão doce, leve, quase inssustentável de tanta delicadeza e leveza, beijo na boca silenciado, molhadinho, com gostinho de um "novamente". seria bom investigar mais possíveis, se espalhar feito água corrente nas mãos e pés de minha paixão, eu quero cafuné de dormir junto, acordar de travesseiro no chão, ser lençol, ser travesseiro, ser tapete. Ahhhhhhhhhhhhh eu quero mesmo é um samba, uma cerveja, a cia. de meus amigos e a possibilidade do beijo descuidado, o encontro desencontrado. Vamos trabalhar, tanta coisa pra fazer... mesa na cabeça, cadeiras na callçada, trabalho em militância, vermelho na alma.

Observações de um estudante de Serviço Social

O mundo hoje vive uma crise, crise essa imposta pelo sistema vigente, o capitalismo. Este tem em sua gênese implícito poder de enriquecer cada vez mais quem é rico e empobrecer cada vez mais quem é pobre criando assim, além de uma enorme desigualdade social um enorme poder de pauperizar a classe trabalhadora. Não existe mais nos dias de hoje devido à crise do capitalismo, segurança no que diz respeito ao trabalho, ricos e pobres, ou seja, classe dominante e classe trabalhadora tentam resistir dentro de suas antagonias às limitações e exigências impostas pela ordem do capital. A situação de desemprego no país é de ordem do sistema capitalista, vivemos em uma sociedade que visa o lucro tendo como base principal a exploração do trabalho do homem pelo próprio homem. São inúmeras as situações vexatórias pelas quais passam o trabalhador brasileiro, principalmente os trabalhadores informais e os que atuam na abrangência dos subempregos. No meio das mais variadas formas de emprego estão os catadores de recicláveis, segundo o autor Fernando Paz no site http://passapalavra.info/?page_id=39, os catadores se organizam como uma “complexa relação social de produção, que possibilita a reintrodução dos materiais recolhidos no circuito da economia produtiva, na forma de novas mercadorias. Tendo, de um lado, como objetivo máximo do capital, a lucratividade em todas as fases do processo de reciclagem e, de outro lado, uma imensidão de trabalhadores em busca da sobrevivência”. Dessa forma os catadores vão criando estratégias de sobrevivência e de lucro tendo como ponto de partida o cerceamento de seus acessos às políticas públicas as quais o direito constitucionalmente os é dado, nesse processo, se colocam em situações de extrema vulnerabilidade social, colocam em risco a sua integridade física e a saúde mental, além de situações de exposição ao câncer de pele e outras doenças. Na maioria das vezes o lucro que esses trabalhadores obtêm é irrisório, o grau de exploração é imenso, aqui, lixo, mercadoria, exploração e corpo são as palavras chaves do excedente e acúmulo de capital de quem opera no âmbito gerencial esses processos. Segundo Marx: “antes de tudo, o trabalho é um processo entre o homem e a natureza, um processo em que o homem, por sua própria ação, media, regula e controla o seu metabolismo com a natureza. Ele mesmo se defronta com a matéria natural como uma força natural. Ele põe em movimento as forças naturais pertencentes à sua corporalidade, braços, pernas, cabeça e mãos, a fim de apropriar-se da matéria natural numa forma útil para a sua própria vida. A atuar, por meio desse movimento sobre a natureza externa a ele, e ao modifica-la, ele modifica a sua própria natureza” (p.148). Acontece que no que diz respeito ao trabalho dos catadores de recicláveis, esse foco muda, o trabalhador aqui não se apropria da matéria na intervenção a fim de transformá-la em benefício próprio, ao contrário, ele interfere no processo apenas como veículo portador da matéria-prima, e só se coloca na condição de veículo se tiver as condições necessárias (o carro), ou seja, os meios de produção. As relações de produção acontecem de formas fragmentadas e frágeis. A natureza aqui, que deveria ser modificada, se perpetua como forma de alienação e cada vez mais agrava a condição de exploração. Essa situação não é muito diferente da dos profissionais liberais, porém as condições estruturais e físicas no ambiente de trabalho são bastante diferentes. Segundo fontes da Pesquisa Nacional de Saneamento Básico-PNSB coleta-se no Brasil diariamente 238.864 mil toneladas de resíduos domiciliares, hoje se estima que um em cada 1000 brasileiros seja catador. Eles se dividem em categorias e subcategorias como mostra a tabela abaixo: CATADORES DEFINIÇÕES Trecheiros Vivem em trechos, entre bairros distantes ou cidades distantes, catam para comprar comida, catar é estratégia de combater a fome. Catadores de Lixão Catam diuturnamente, catam há muito tempo, criam seus horários, trabalham como catadores quando estão sem trabalhos de pintores, pedreiros e outros. Catadores individuais Catam por si, preferem ser independentes, usam carrinhos emprestados, são emergencialistas. Catadores organizados Legalizados ou em fase de legalização, são ligados à ONGs ou OSCIPs. Dentre os catadores organizados existem: GRUPOS FUNCIONAMENTO Grupos em Organização Pouca ou nenhuma infraestrutura, porém um enorme desejo de se organizarem e se fortalecerem enquanto organizados. Catadores organizados autogestionários Funcionam como cooperativas, decisões são tomadas de forma democrática, não há uma liderança única ou chefe, todos os associados são donos. Redes de cooperativas autogestionárias Forma de fortalecer os grupos na busca de quantidade e qualidade, em rede os grupos podem vender por melhores preços por terem juntos maiores quantidades. Podem coletar em rede outros materiais como óleo de cozinha e alimentos. Coopergatos Grupos autogestionários que tem um dono que manda e os outros obedecem, funciona como empresa privada, mas os trabalhadores não recebem benefícios sociais. Cooperativas de sucateiros Alguns sucateiros que tem relações pra lá de exploratórias com os catadores, se regularizam como cooperativa mas agem como empresa privada, é bastante frequente nos dias de hoje esse tipo de cooperativa. Cooperativas de apoiadores Grupo organizado por pessoas que não tem histórico de catação. Observa-se segundo essas tabelas que existe um movimento ainda caótico na tentativa de organização da classe. O ideal seria não se pensar em fortalecer essa classe de trabalhadores sem antes pensar em estratégias de trabalho que tenham em sua prioridade a dignidade humana, percebe-se na divisão tabelar uma enorme concorrência para quem fica com a maior parte do lixo, porque em uma sociedade de consumo como a que vivemos hoje o lixo é fonte de renda, posto que tudo deixa de ter valor em um espaço de tempo muito pequeno, a enorme quantidade de lixo que produzimos diariamente segundo a PNSB, é a fonte de dinheiro e riqueza para uma pequena parte da população. O fato é que os trabalhadores envolvidos nesse processo são expostos a vários riscos, para além do risco físico (peso excessivo, quebra de carros sobre os corpos, cortes e fraturas entre outros) e das condições climáticas (sol, chuva, frio, calor), existem as que dizem respeito diretamente às relações sociais, como atos de opróbio, situações vexatórias, assaltos, preconceitos e exploração. Como pensar então em estratégias de combate à exploração física desses trabalhadores? Como pensar em estratégias que articulem na mente desse trabalhador intenções de cuidados? É possível pensar em estratégias que fomentem no âmbito desse trabalho processos educativos e informativos sobre a situação na qual eles estão inseridos? Seria inocente e ingênuo pensar que em uma sociedade capitalista como a nossa esse tipo de trabalho seja banido, o capitalismo coloca o trabalhador em uma luta incessante pela sobrevivência, esse trabalhador não mede esforços para conseguir o mínimo de dignidade, leia-se dignidade um prato de comida por dia, (muitas vezes é essa a realidade dos catadores de nossa cidade). O que se pode se fazer é ficar atento e entender que para esse público foi esse trabalho que restou como opção. Precisa-se entender que estamos falando – por mais assustador que seja – de trabalho e que é preciso ressaltar que esses trabalhadores estão desenvolvendo um trabalho que deveria ser feito pelo Estado, eles cobrem, portanto uma lacuna da falta de ação planejada dos planos de governo dos estados e municípios. Não existem muitas ações que cuidem desses trabalhadores, se existem não são pensadas no âmbito dos governos, é preciso urgentemente investir em educação de qualidade, saneamento básico, política de habitação e assistência social, para que os trabalhadores futuros possam ter direito a trabalhos com mais dignidade e direitos assegurados. Não podemos fechar os olhos para a gravidade da situação do trabalhador da reciclagem, são muitas exposições nas quais ele se coloca em busca de um mínimo de sobrevivência. Enquanto isso os governantes vão fazendo de conta que não enxergam tal problemática ou adiam a solução de um problema que segundo vimos nas tabelas só cresce e agrava, corre o risco de virar moda ou exemplo de pai para filho. E evitemos olhar às pessoas e confundi-las com o lixo, temamos que um dia essas duas se misturem de forma intrínseca a ponto de não conseguirmos identifica-las em suas especificidades.

terça-feira, 8 de maio de 2012

Tumulto.

Treme em minha carne fria o desejo de um desconhecido movimento que se chama intinerância. Ser muitos de mim longe dos que sou no meu agora. Essa coisa de ser um pouco de mundo ainda me fere, embora as sensações de prazeres, risos e alegrias sejam bem maiores do que as feridas cicatrizantes adquiridas na estrada da busca. A realidade me aparece como local de desequilíbrio e a busca pelo contrário me força ao estranhamento do outro, me lança no desagradável e me torno coisa ruim, seca, controverso, subversivo, louco, coisa que não cabe no mundo que estou inserido nesse meu agora, como férias em país estrangeiro, comunicação única de linguagem física, língua não entendida. A caretice é a desgraça do mundo, é a própria destruição de mim no mundo em que vivo e que tento, o outro é o meu compromisso, a fome, a miséria, a dor... elementos de um cotidiano que a caretice nega e relega a papéis e formalidades que não se constituem como potentes. Existe revolta em mim, gosto perdido de revolução, mãos em punho. Necessidade de respiração, ar puro, de arte, dança, filosofia, um pouco de Peter: “... um pouco de possível senão eu sufoco.” Ao meu lado existem tantos, pessoas de várias formas, categorias, medos, caretices... eu não me dou bem com a caretice encaixada, preciso de um mínimo de revolução, de inquietude, de esperanças, de possíveis alegrias, de possíveis. Buscar o lugar de legitimação do meu desejo, um gosto forte e seco que me escorre pelos pés e cabeça como um banho de chuva em dia de calor, chuva quente e calor frio, corpo em espera, desejo em desespero, caminhos a serem abertos como num filme em que um ator abre espaço com um facão em punho... ou de outra forma, bailarino de sapatilhas rasgadas tentando executar danças, eu quero a liberdade de dançar descalço sem respeitar a música e os passos e ainda assim ser potente e ainda assim conseguir parceiros que acreditem nas minhas posições, e ainda assim agregar mais pessoas, mais sonhos, mais lutas e mais possíveis. Eu quero o mundo porque eu também sou o mundo, eu quero a vida porque eu também sou a vida, eu quero a dança porque eu também sou um passo em sapatilhas rasgadas. Eu só não quero ser pedra, nesta eu vou me escrever em alma. “ em vão percorremos volumes, viajamos e nos colorimos. A hora pressentida esmigalha-se em pó na rua. Os homens pedem carne, fogo, sapatos. As leis não bastam, os lírios não nascem da lei, meu nome é tumulto e escreve-se na pedra” Carlos Drummond de Andrade

quinta-feira, 29 de março de 2012

Mundo vasto mundo


Um desejo de asas que consiste em uma enorme necessidade de deslocamento.
É do desejo de ser livre que me manifesto de peito aberto no mundo.
Estar aberto quer dizer muitas vezes que eu sou extremamente frágil, tenho medo do escuro, de chuvas fortes, de cachorros grandes, tenho medo do mar, tem dias que tenho medo de qualquer coisa que tenha um tamanho maior do que eu.
Quando penso em mudanças algo frio me invade e o desejo de me tornar morno e quente me invade o todo. Sou frio nas entranhas, o meu externo é o meu prazer, o meu interno é esconderijo, vício, egoísmo.
Não sei se falo demais ou de menos, não sei se escrevo de mais ou de menos e nem consigo mensurar se exerço minha condição de vida de forma excessiva,mas existe excessos em mim, e como disse Nossa Senhora Lispector, me entupo de vazios também, às vezes entendo o vazio como “coisa” potente.
Quem vive entre a cruz e a espada precisa de um mínimo de liberdade, precisa sentar em janelas, abrir portas, romper fronteiras e destruir cadeados, precisa também não temer o outro, respeitar as fortalezas e entender as fragilidades. Eu sou medroso, eu sou frágil, eu sou excessivo e tenho uma grande tendência a ser esvaziado.
Bocas me beijam e me chupam, corpos estão em mim, sou uma bolha de sabão feita de gala, sou marcado em outros corpos, minhas mãos desenham corpos, meus pés sapateiam fantasias e corpos nús, é na nudez que muito de mim existe, a poesia me disfarça o percurso pornográfico e o rio de gozo derramam esperanças em minha vida.
Tenho sentido muita saudade dos tempos de criança, olho para a vida e ela me convida à um estado de adulto que me machuca e me agride, as pessoas ao meu redor, as que me antecederam, estão diferentes, elas engordaram, caíram os dentes, se despentearam, algumas ficaram tão esquisitas... houve um tempo em que eu cantava “... aquele gosto amargo do teu corpo, ficou na minha boca por mais tempo, de amargo então salgado ficou doce, assim que o teu cheiro forte e lento fez casa nos meus braços...” de repente eu estou cantando “...Se um outro cabeludo aparecer na sua rua e isso lhe trouxer saudades minhas a culpa é sua...” e isso faz tanto sentido porque hoje eu tenho um carro e já fui um cabeludo na vida de alguém.
A minha cidade é uma pérola, um bicho esquisito, produz desigualdade a minha cidade, os meus amigos são a melhor parte de mim, eu sinto muito calor vivendo aqui, eu preciso de um pouco mais de frio, não de frieza!
Habitar um outro, estar em um outro lugar, reaprender a morar, nem que para isso eu tenha que reaprender a olhar para o meu lugar na cidade, mudar sem sair do lugar que se está também é possível e para sobreviver é necessário que pelo menos essa mudança seja feita. Deslocamento aqui, por aqui, a busca de um além que está para além de um quadrado cercado de mesas também quadradas e pessoas também quadradas vivendo em um mundo extremamente quadrado, ou, para enfeitar um pouco a escrita, um mundo cartesiano.
é... como dizia Drummond: “...mundo vasto mundo, se eu não me chamasse Raimundo...”

terça-feira, 20 de março de 2012

Das observações sociológicas



Fortaleza é uma metrópole que concentra a sua riqueza em uma pequena parcela da população, a outra parcela – que é muito maior do que a primeira – tenta se equilibrar ocupando cargos de trabalho onde a vantagem salarial não é muito satisfatória (satisfatória no sentido de satisfazer no cerne da origem da palavra, às necessidades básicas como alimentação, saúde, segurança e cultura) e assim a grande parte do dinheiro que gere a cidade está nas mãos daqueles, que com o poder do dinheiro nas mãos, faz crescer cada vez mais o ciclo da riqueza (o pequeno e injusto ciclo) e o ciclo da pobreza (o grande e mais injusto ainda ciclo).
Esse tipo de recorte social agrega uma série de problemáticas sociais fazendo com que as injustiças se perpetuem de forma desumana, fazendo quem é rico cada vez mais rico e quem é pobre cada vez mais pobre. Para além da discussão da riqueza e da pobreza existem fatos sociais que tentam de alguma forma mascarar e disfarçar a brutal desigualdade imposta pelo capitalismo, fazendo com que nos esqueçamos – ainda que momentaneamente – da real e dura realidade de conjuntura que uma cidade como Fortaleza vive. Nesse âmbito vivemos tentando nos equilibrar entre as demandas que o mundo – quase que inteiro – nos impõe através do sistema capitalista e o enfrentamento às desigualdades sociais que uma cidade como Fortaleza enfrenta devido à extrema desigualdade de renda entre a população. Nessa relação não existe um “não participar”, posto que somos agentes sociais, somos os causadores e os causados, somos os que agem e reagem, essa relação portanto é feita sempre no “agora”, segundo Peter Berger :
“... estar localizado na sociedade significa estar no ponto de intersecção de forças sociais específicas. Geralmente quem ignora essas forças age com risco. A pessoa age em sociedade dentro de sistemas cuidadosamente definidos de poder e prestígio. E depois que aprende sua localização, passa também, a saber, que não pode fazer muita coisa para mudar a situação.”
Berger nos coloca face a face com a força do capital, nos direciona a um reconhecimento do capital como fator condicional para o entendimento de nossas posições na sociedade.
Não podemos perder de vista o que simbolicamente representa morar em um país como o Brasil, um país lindo, diverso, festeiro. Somos um país que se apresenta tendo como principais símbolos: uma mulata, uma bola de futebol e um samba; na outra linha de simbologia temos o morro, a favela, a criminalidade e a prostituição, esses fatos são sempre cercados por discussões que não pretendem buscar saídas e resoluções sociais, quando se apresentam são como delatos e relatos, verdadeiros folclore sobre um povo que sofre ainda hoje os efeitos de uma colonização e um pseudo estado laico, dois fatos sociais que confundem ainda mais as operacionalizações da democracia e tentativa de igualdade social.
É no meio da bagunça social que se banaliza a condição humana, a micareta Fortal, por exemplo, é um fato social que apresenta explicitamente a extrema desigualdade através de estratificações sociais e relações de trabalho. Fortaleza é uma cidade que faz parte de um país festeiro, e assim como o país, tem as suas especificidades festeiras, existem, por exemplo, como manifestações de tradição cultural: Os maracatus, as bandas cabaçais, os blocos de carnavais, essas manifestações acontecem, ou aconteciam, de forma extremamente ritualística e democrática, proporcionando a todos os festeiros participantes as mesmas condições de diversões, o trabalho é dividido, a bebida é dividida, as ideias são divididas e não se pensava – na sua origem enquanto festas – em lucros, e sim em celebração, onde divino e profano se misturavam em perfeita harmonia.
Com o advento da classe burguesa e da concentração da renda nas mãos de poucos, outras formas de diversão foram se perpetuando através do tempo e foram se estabelecendo enquanto festa a partir da determinação do capital e daqueles que tem o poder do dinheiro.
O Fortal, dentro da cidade é um exemplo de como a sociedade Fortalezense se apresenta, a festa acontece desenvolvida dentro de uma hierarquia inacreditável e desigual, existem as categorias para a diversão e para o trabalho, o que determina essa hierarquia é a necessidade de se separar ricos de pobres. Na verdade o Fortal para acontecer reúne todas as categorias, essas se dividem e subdividem retratando o poder aquisitivo dos cidadãos. Existem a título de diversão os blocos, esses são subdivididos, existem uns blocos que são muito caros, existem os caros e existem os baratos; existem as arquibancadas, se você está nas arquibancadas você não pode entrar nos blocos, você fica se divertindo separado por divisões de madeiras dos que estão se divertindo nos blocos, significa que você não tem dinheiro suficiente para se misturar com os que estão com roupas iguais, ou seja, você só faz parte do bloco se seu poder aquisitivo lhe permitir comprar uma roupa igual a daqueles que você virá desfilando na sua frente, aí sim, você – praticamente, mas não teoricamente – será igual a eles. Existem as arenas VIPS, essas arenas não são caras quanto ter um abadá (as roupas iguais que falei), nem tão baratas quanto uma entrada nas arquibancadas, as arenas causam um pouco de mal estar nos que adquirem o abadá, porque quem compra uma entrada na arena vip em algum momento da noite habitará o mesmo ambiente que a pessoa que comprou o abadá estará, quem compra o abadá pode entrar em todas as esferas do ambiente no qual o Fortal acontece, isso significa socialmente “poder” e “poder” dentro de uma sociedade regida pelo capital não está no limite das divisões.
Para além dos blocos, arquibancadas e áreas VIPS, o Fortal agrega outras problemáticas, existem pessoas que trabalham no Fortal, literalmente separando os ricos dos pobres, esses são os cordeiros, eles ficam segurando cordas, de um lado das cordas estão os que conseguiram comprar um abadá, do outro estão os que não conseguiram comprar o abadá, o irônico nesse processo é que os cordeiros empurram os pobres para longe, durante o percurso, gritam, enxortam, como se estivessem acima da riqueza e da pobreza, se agarram ao trabalho de cordeiros como se fossem os gerentes da festa, perdem completamente a noção social de suas posições, a alienação toma de conta das cabeças e assim os cordeiros perdem a noção da gravidade social de sua função na festa, que, diga-se de passagem, não é deles.
Existem também os que habitam a margem dessa festa, os vendedores de cervejas, águas e refrigerantes que ficam espalhados no caminho, nas redondezas da festa, esses, aproveitam o momento para trabalhar, aumentando o grau de diversão dos festeiros, na maioria das vezes são profissionais que atuam em subempregos e aproveitam a oportunidade para aumentar a renda, trabalham durante horas caminhando com isopores pesados nas costas, ou sentados em bancos duros sem conforto nenhum ou proteção para as costas, esses se sentem cada vez mais distantes da possibilidade de adquirir um abadá.
É importante ressaltar que a título de estratificação social a maioria dos componentes do grupo de cordeiros, o grupo das arquibancadas e os trabalhadores vendedores são de cor negra, e a maioria é jovem, para fazer um contraponto a essa discussão Peter Berger diz que:
“... as possibilidades de mobilidade social de um indivíduo são nitidamente determinadas pela localização racial, uma vez que algumas das desvantagens mais prementes desta última são de caráter econômico. Assim a conduta, as idéias e a identidade psicológica de um homem são moldadas pela raça de maneira muito mais decisiva do que pela classe.”
Enfrentamos aqui então um problema de ordem diferente, que é a perpetuação da pobreza e subempregos como específico da raça negra, nessa perspectiva o Fortal se manifesta também como fato social disseminador de um pensamento que perpetua a raça negra como subalterna à classe branca.
Sabemos que uma sociedade democrática teria que proporcionar igualdade de direitos, sabemos também que é utópico pensar em uma sociedade igualitária, esta só seria possível com a morte do capital e acompanhamos o fortalecimento do capital a cada dia, o capital é como uma torneira aberta que derrama com a certeza que não vai cessar água. É preciso então pelo menos estar atentos, entender, definir as situações para esclarecer entendimentos, Berger também fala disso em seu texto,
“... um conceito muito usado em sociologia é o de definição da situação. Assim chamado pelo sociólogo americano W. I. Thomas significa que uma situação social é o que seus participantes crêem que ela seja, em outras palavras, para as finalidades do sociólogo, a realidade é uma questão de definição, é por isso que o sociólogo deve analisar atentamente muitas facetas da conduta humana que em si mesmas são absurdas ou ilusivas."
As manifestações, festejos que fazem parte da cultura do povo brasileiro tiveram ao longo da história uma condição de acontecimento que não condiz com o que se apresenta hoje junto às grandes massas. O Fortal se apresenta como festa segregadora, separatista, promove violência, violação de direitos, massificação de música de péssima qualidade, além de, escravizar pobres em benefício de ricos. As famílias das classes ricas entendem que comprar um abadá para seu filho é educativo, porque assim ele estará separado daqueles que poderiam causar algum mal, é nobre para uma família na cidade de Fortaleza comprar um abadá para o filho se divertir durante quatro noites. No outro lado da discussão é nobre para uma família de pobres saber que o filho está trabalhando como cordeiro no Fortal, separando ricos dos pobres, porque na linguagem do senso comum, separar pessoas tem a ver com “aquisição de poder”.
A discussão sobre a problemática perpassa também outra, que seria a relação de espaço público x espaço privado, pois não podemos esquecer que o Fortal durante muito tempo aconteceu na Beira-mar, o ministério público interveio e determinou que o espaço não poderia ser usado de forma privatizada, determinando assim que o evento planejasse um espaço próprio para o seu desenvolvimento. Preciso ressaltar que foi criado um espaço a Cidade Fortal, esse espaço é usado apenas uma vez no ano, não existe em suas dependências nenhum projeto social que dê retorno à sociedade fortalezense.
Vivemos hoje estratificados, é possível identificar isso através de fatos sociais como o Fortal, mas ele não é o único, nas procissões, nas missas, nos shows em clubes privados, nas escolas, nos hospitais, no mercado que rege a dinâmica sexual da sociedade, em todo lugar nos deparamos com recortes, identificamos facilmente onde podemos estar, o que determina isso é o poder aquisitivo, a linguagem do capital é de fácil acessibilidade, operar dentro dessa linguagem, é trabalho que necessita do recurso dinheiro. O que podemos fazer é estar atento, correr riscos como sugere Berger. Conhecer para correr riscos, essa talvez seja a grande descoberta de amenizar a dor da leitura e da identificação das estratificações sociais.