quinta-feira, 6 de maio de 2010

Eu, Manu e uma vela.


de bracos e mãos cansadas de lutas cotidianas da quinta-feira, pernas preguicosas e aparentemente mais curtas atravessei um bairro inteiro pra alimentar aqueles que se falam por unhas, ausencias, carinhos e gemidos... os donos da casa.
no meio de luzes e velocidades deparo-me com o stagno, a inércia e a momentânea escuridão, nao existia movimento, parou-se a cor e o negro tomou conta do vazio universo dos pelos, gemidos e carinhos que agora eram temerosos.

um homem de chapéu, um outro também de chapéu... olhares para cima, como a contemplar um céu de águas que não caem. Uma subida em uma escada... como um escalar de uma colina, um encontro furtivo na calcada do outro lado, um desejo.

sentado, ao esperara que a colina seja alcancada, desperto me ao som da luz do telefone que chama, a luz me leva o olhar ao livro branco de folhas finas, capa plástica, limpo... tinha alguma coisa de artista em seu título.

Manoel de Barros. Parei. Vi embassadamente na escuridão, tateei, folheei, abri, iniciei a leitura e a luz acabou. Montanha ainda não escalada corro em busca de um fósforo, um isqueiro, um papel que fosse para ser queimado ao ponto de fazer possível aquele encontro.

vela achada, deitado em chão sujo, de camisa suja. Olhos cvuriosos, sensacões novas e intensas, como se tocassem meu coracão com o dedo, como se pudesse bater asas.

colina escalada, luz acesa.... vela não conseguiu ser apagada, continuou... perplexo que estava com tal encontro, ali fiquei, parado, caminhando apenas na leitura, como se a vida naquele momento se apresentasse a mim, delicada, leve e frágil, como a chama de uma vela.

Deus disse: Vou ajeitar a você um dom:
Vou pertencer você para uma árvore.
E pertenceu-me.
Escuto o perfume dos rios.
Sei que a voz das águas tem sotaque azul.
Sei botar cílio nos silêncios.
Para encontrar o azul eu uso pássaros.
Só não desejo cair em sensatez.
Não quero a boa razão das coisas.
Quero o feitiço das palavras.

Manoel de Barros


Aprendo com abelhas do que com aeroplanos. É um olhar para baixo
que eu nasci tendo. É um olhar para o ser menor, para o insignificante
que eu me criei tendo. O ser que na sociedade é chutado como uma
barata – cresce de importância para o meu olho. Ainda não entendi
porque herdei esse olhar para baixo. Sempre imagino que venha de
ancestralidades machucadas. Fui criado no mato e aprendi a gostar das
coisinhas do chão – antes que das coisas celestiais. Pessoas
pertencidas de abandono me comovem. Tanto quanto as soberbas
coisas ínfimas.
Manoel de Barros


Foto de Antonio Alegria
Espetáculo Dois Devaneios da Cia. dos Pés Grandes
Bailarino: Eu.

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