quarta-feira, 10 de agosto de 2016

OBServando


O filme Como estrelas na terra – Toda criança é especial, aborda questões relacionadas a conjuntura da escola na atualidade e à necessidade de aprofundamento de estudo e intervenção no atendimento a crianças com as mais variadas manifestações de especialidades, não só no âmbito educacional mas no âmbito socioassistencial.
O que mais chama a atenção é o filme se tornar ponto de “especialidade” para os expectadores pelo fato de Ishaan ter seus caminhos cruzados com um Professor que conseguiu fazer a leitura da conjuntura em qual a criança estava inserida e assim traçar metas de intervenção que o levasse a alcançar êxitos. Ora, mas não seria esse o papel principal de todo Professor? Estar atento as demandas da sala de aula, saber lidar com as diferenças e assim buscar oferecer uma educação igualitária e justa para toda a sua turma?
O contexto educacional na atualidade se mostra de forma bastante perversa, a política que inclui os alunos com determinadas deficiências não cumpre seu papel de forma efetiva. A política educacional não oferece capacitações e cursos de qualificação profissional para os professores e esses tentam lidar de forma empírica com as mais variadas diferenças em sala de aula exercendo um fazer artesanal, como colcha de retalhos, uma intervenção deslocada de políticas emancipatórias, apenas atuações pautadas em “achismos” e formas supostamente castradoras pois sem saber como lidar com as diferenças e tendo a maioria da turma para fazer caminhar, este, no momento da agonia da transmissão e construção do conhecimento, exige o silêncio, a tranquilidade, a concentração e a calma dos alunos, ainda que a falta desses quesitos sejam da ordem da saúde, da diferença.
Importante ressaltar que um Professor deveria ter acesso máximo a todas as formas de conhecimento que possam fazer com que seus alunos consigam superar as situações opressoras em que se encontram, os preconceitos e discriminações, o racismo, o classismo, o machismo. Percebe-se dentro da escola de hoje um conservadorismo que chega a ser constrangedor, professores falam mal de alunos – que em sua maioria são crianças em desenvolvimento – são fortalecedores dos discursos que reforçam machismos, racismos, e LGBTfobias, isso sem falar no conceito de belo que chega a ser desconcertante pois esse oprime de forma direta a criança e o adolescente. Outro ponto a colocar é a falta de entendimento dos professores da instância da juventude, pois não entendem o desejo dos meninos por usar brinco, piercings, bonés e o desejo das meninas de usarem roupas curtas, jeans rasgados, batons e cabelo vermelho ou de outras cores.
Ao se depararem com essas manifestações de juventude é muito comum que suas falas sejam referidas nos mais primordiais conceitos conservadores e anulantes, pois passam a tratar de forma diferente os alunos. Muitas vezes podemos até ouvir coisas do tipo: “Projeto de marginal”, “Aquela menina com aquele short daquele tamanho, tá pedindo coisa”.
O professor do filme, conseguiu não só observar, mas enxergou seu aluno com suas potencialidades e buscou exercer uma intervenção humanista pois,

“Uma educação humanista libertadora, na perspectiva freiriana, precisa ter como ponto de partida os fenômenos concretos que constituem o universo existencial de nosso povo. E, a partir desse universo, o desafio dialógico crítico converge para a luta em prol das transformações sociais necessárias e imprescindíveis para atingirmos uma vida mais digna, principalmente para os setores sociais que mais sofrem a opressão ou exclusão.” (ZITKOSKI, 2008)


Na educação, os alunos são “o nosso povo” e investir de forma qualificada na intervenção junto as necessidades dos alunos é concretizar o projeto de educação libertadora de Paulo Freire, pois isso incita liberdade, autonomia e independência. Pontos cruciais para se construir uma vida justa, baseada na criticidade, criticidade essa que os esclarecerá escolhas.
É inadmissível que aceitemos a política educacional que ora se estabelece, esta não atende as demandas dos filhos da classe trabalhadora, a categoria dos assistentes sociais deve se aprofundar na discussão do serviço social dentro da política educacional, sabemos e já discutimos incessantemente que existem demandas dentro da escola que se atendidas pelo profissional do serviço social seriam encaminhadas de formas diferenciadas. Mas como traçar pontos de atuação dentro de uma política que no âmbito do cotidiano é excludente e negligente?
Fico a me perguntar: Como acessar dispositivos de ordem prática que possam fomentar atuações de professores como o que vimos no filme? Indo mais além pergunto: Será que é possível tornar professores conservadores em professores como o de Ishaan? Isso teria a ver com processos formativos? E se pensássemos em processos formativos que levassem em consideração os conceitos da Questão Social juntamente aos da Educação? Quem facilitaria esses momentos junto aos professores? Os Pedagogos ou os Assistentes sociais? Os dois juntos será? Eis alguns questionamentos para uma outra discussão.
O fato é que precisamos ressuscitar Paulo Freire, seu pensamento e sua obra, por enquanto percebo uma grane apatia na escola, na educação, nos professores, me pergunto: Onde está Paulo Freire, pois esse que dizem conhecer não é aquele que desejou por toda a sua vida uma sociedade justa e igualitária, sem opressores e oprimidos.

terça-feira, 5 de julho de 2016

Obrigado Cia VATÁ




Mãos trêmulas, pernas bambas, suor nas axilas, cegueira, visão turva, demência e instabilidade, algumas sensações atravessadas por mim ao chegar na Caixa Cultural para assistir ao Documentário da Cia. VATÁ. Sensações incitadas por emoções que não conseguirei traduzir em palavras, mas que revelam uma enorme gratidão, amor, respeito e devoção ao legado dessa Cia. que me foi casa (e ainda é) desde os meus primeiros passos em dança, desde que decidi abandonar o sertão central e vir para a cidade grande em busca de realizar o sonho de me tornar artista.
Assistir a trajetória dessa Cia. Me fez olhar para a minha própria trajetória como artista na cidade de Fortaleza, mais do que isso, me fez olhar para a importância legítima da atuação da Cia. VATA ao longo desses anos na cidade de Fortaleza. Constato que uma artista comprometida com o seu fazer rompe as barreiras da língua, do lugar, das geografias impossíveis, dos afetos tristes. Não por ser exótico, mas por ter em suas mãos a incrível capacidade de construir obras que dialogam com o mundo, pois falam de afeto, falam de um lugar, de um afeto ao lugar, de um compromisso com o seu povo e com a sua história.
A dignidade de, como diz nossa saudosa Dona Silton, “seguir o intuito” é algo que exige coragem. Coragem não como ausência do medo, mas como a determinação de acordar todos os dias e inventar possibilidades de existência, e quando não conseguir inventar, tratar de reinvenções, buscá-las em dores, amores, alegrias… driblar as tristezas e se vestir de força… talvez seja isso, seguir o “intuito” talvez seja permanecer no limite da loucura e do desespero, pois ser louco é ser transgressor e o desespero traz transbordamentos, instâncias primordiais para qualquer processo criativo.
Valéria Pinheiro é mundana, ave de arribação, antropofagicamente um Carcará, pois quem teve a honra e o privilégio de trabalhar ao seu lado sabe que ela “pega, mata e come”, Valéria come o outro, se alimenta do outro, gosta de saber como, onde e por quê, tem olhos de menina, jeito de menina, curiosa… abre gavetas, folheia livros, meche em fios, sobe em escadas, pega a vassoura, varre, lava, cozinha… e em toda a nobreza de seus gestos eu vejo dança. Isso a faz um ser tão completo que para gestualizar talvez eu precisasse de centenas, milhares de braços para mostrar o tamanho, simbolicamente.
A Cia. VATA está em festa, muitos fomos, muitos somos, muitos seremos, todos passamos e todos ficamos, VATÁ é água corrente de torneira aberta, rio que corre, não há parede nesse açude, não há fundo nesse poço. Há uma grande porta aberta, sempre a espera do desejo de fazer parte, talvez levemos tempo para entender isso, mas sim “fazer parte, cabe a se deixar fazer parte” e esse entendimento é cabível de vida, mundo, lugar, tamanhos.
Dancei mais de dez anos nessa Cia. que me foi Universidade, lá eu amei, ri, chorei, sofri, aprendi… lutei, caí e me reergui. Fui Cabaçal, fui Ancestral, fui Orixá… suspendi, sambei, sapateei. E esse matulão que me foi ofertado está repleto de boas lembranças, impossível narrar aqui das tantas coisas incríveis vividas, as dores, os amores, os lugares, os países e continentes habitados em nossas andanças, mas impossível também não registrar um agradecimento infinito a essa universidade que me afetou e afeta a vida, o amor, o sexo, o entendimento e principalmente a possibilidade do dançar, a coragem cotidiana, o enfrentamento aos sentimentos esvaziados, aos afetos tristes, aos nãos, a persistência na alegria e na própria persistência. Sim, Valéria e a Cia VATÁ são persistência da persistência, um acontecimento de luta e resistência que devemos nos orgulhar.
Desejemos vida longa à Cia. VATÁ, ao Teatro das Marias, ao sapateado brasileiro, particularmente desejo estar vivo para ir às comemorações dos 30 anos de Cia. VATA no Ceará, e mais uma vez assistir atônito, com vontade de chorar alto (pois baixinho chorei em muitos momentos), vir para casa correndo para deitar na cama e agradecer pelas oportunidades que tive, pelos sonhos que realizei junto, pelas conquistas, pelas viagens que me encheram de possibilidades e descobertas, agradecer principalmente o privilégio de através de Valéria poder descobrir a potência do sapateado e a possibilidade de um sapateado que fale de nosso povo, de nossas casas, de nosso país.
Eu te agradeço Valéria Pinheiro, por ter me feito, por ter me empurrado, por ter segurado a minha mão e me levado para o mundo, eu te agradeço o ensino, a paciência, o olhar amoroso, a permanência, a resistência, o alimento e o abrigo, eu te tenho em mim para todo o sempre, você é a maior curuMÃE do mundo!

Com amor.

quarta-feira, 22 de junho de 2016

Sobre TCC


Foto de Delfina Rocha, Espetáculo: Caçadores de PIPA da Cia. VATÁ. Direção de Valéria Pinheiro.









O Projeto Ético Político do Serviço Social demanda da categoria de profissionais, estudantes e instituições formativas o compromisso de construção de uma outra sociedade, pautada em direitos assegurados, justiça social, empoderamento e emancipação humana.
As estruturas nas quais se legitimam o PEP são condicionadas pela afronta do capital, mundialização, globalização e a tendência econômica de teor liberal, a livre concorrência se estabelece como ponto precarizador da atuação do assistente social em seus espaços sócio ocupacionais, pois a categoria sofre, como as demais classes trabalhadoras, as refrações de explorações e da livre concorrência.
Nesse processo, as atuações da categoria correm o risco de se fragilizarem e se transformarem em intervenções rápidas, pragmáticas, imediatistas, referenciadas pelo projeto econômico do grande capital, projeto esse que subtrai direitos, exclui o entendimento de classe social e perpetua culturas de violência e a apologia à culpabilidade dos indivíduos. Segundo Maria Lúcia Barroco, podemos chamar esse contexto de neoconservadorismo.
O serviço social, como categoria profissional, tendo como base o código de ética como consequência do PEP, nos incita e fomenta intervenções profissionais pautadas em pesquisas, estudos, estágios, planejamentos, gestão que vão ao encontro do entendimento profundo e generalista das refrações da questão social – matéria-prima do trabalho do assistente social.
Dessa forma, o Projeto de TCC proposto, pretende dar visibilidade e buscar algum entendimento das estratégias de sobrevivência das travestis que trabalham com prostituição no centro da cidade de Fortaleza no período noturno. Parece-me importante para a categoria que esse tema seja abordado pois percebemos claramente que o segmento social investigado é apontado com referências de estigma, preconceitos, abjeções, tais referências reforçam o conservadorismo e tornam importantes as intervenções no âmbito do serviço social dentro das políticas públicas.
Podemos dizer que são seres que não são reconhecidos como legítimos seres humanos devido a grande falta de informação e do entendimento a partir de uma totalidade. Em sua maioria não frequentou a escola, não desenvolveram sociabilidade de forma a lhes garantirem princípios de autonomia e independência posto que o que se apresenta a priori em seus corpos e meios de vida é a diferença.
Assim, o Projeto de TCC buscará mapear histórias de vidas a partir de estratégias de sobrevivência, e com isso, mapear e sugerir pontos para se pensar políticas públicas no âmbito municipal que possam atender demandas específicas e encaminhar projetos que contribuam no reconhecimento do segmento como seres de direitos, visando a emancipação e as garantias que lhes cabem.
Percebo que a discussão no âmbito das políticas para a população LGBTT ainda se insere em uma instância de pouca visibilidade, são inúmeros os casos de assassinatos, em sua maioria, assassinatos com requintes de crueldade, inimagináveis à genericidade humana. A região Nordeste é a região que atualmente mais comete assassinatos às travestis, gays, lésbicas e Fortaleza sofre as consequências de uma política LGBT fragilizada, quase que subsumida no meio de questões que ao olhar do grande empresariado e da máquina pública, que atende demandas do capital, se perdem em pontuais ações de combate a todas as formas de preconceitos, estamos sujeitos a uma Parada da Diversidade e uma coordenadoria de políticas LGBT que apática, mais viola do que atende demandas.
Pensar formas de enfrentamento a manifestações que anulam o outro como legítimo outro nos demanda conhecer, aprofundar pesquisas e entendimentos. Acredito que os assistentes sociais são imprescindíveis nesse contexto, pois está na história da formação da categoria: É necessário estarmos juntos dos movimentos sociais, da classe trabalhadora e de todos aqueles que sofrem as refrações agudizadas da questão social, eis um ponto a mais a ser observado, uma pedra a mais a cruzar no meio do caminho, uma ponte a mais a ser construída, para isso: Sigamos, como nos disse Carlos Drummond de Andrade “De mãos dadas”.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Na ausência do que sentir, eu digo!

Há uma coisa aqui… Misto de incerteza e medo, presença e ausência. Será loucura? Há um inacabado de estradas a serem percorridas, porém há chinelos quebrados, sapatos sem cadarços… janelas de cortinas fechadas impedindo a contemplação de um horizonte. A dor de uma saudade, a dor de um fim, a dor de um “não me importo” é uma dor seca, rabiola de pipa que não sobe. Menino sem camisa, pés descalços… fome. Existe um incentivo danado à coragem quando medo e incertezas em mim se instalam, através do medo me enxergo e corro a enfrentar o que venha. Através da incerteza eu reflito, autoanaliso, redescubro e crio formas novas de caminhar, estradas densas e por isso convidativas, facão em punho a arregaçar matas virgens, cheirosas, olhos vendados, tato e olfato apurados. A vida se mostra em cada canto de experiência vivida, antes dos cantos existe o anúncio, em forma de lágrima ou de riso o anúncio aponta, informa, dirige, segura em minha mão e me incentiva a atirar-me contra a espada, pular de precipícios, peito aberto, poucos cabelos ao vento, corpo pesa. Eu nunca recuo. Boca seca de hoje é a mesma boca cheia de ontem… beijos secam, palavras secam, comidas secam, água seca(?). Buraco no peito, olhos de zumbi, um nada nas mãos e uma vontade indescritível de um recomeço sem dor, uma outra cidade que não essa e nem aquela, um outro quarto que não aquele hotel, um outro mundo que não aquele que eu pensei ser meu também, sim, eu pensei! Um barulho que não aquele de seu silêncio. Não, frio nunca mais. Teu corpo doce e pequeno, tua mão atrevida entre minhas pernas, boca que me cheira, me lambe, me enlouquece. Há outros caminhos? Há outras paragens? Ultima olhada em tuas fotos, última mão em meu desejo, uma loucura tão sã se estabelece agora. Suspiro (pausa). Água, beber água, trancar a porta do quarto, deitar na cama, levantar da cama, ligar a TV, abrir a janela (mas por hoje não há horizonte) só cortinas. Água, água, água, água. Cigarro não mais, hotel não mais, moda não mais, dentes não mais, ser estrangeiro não mais, incêndio interno, difícil de apagar. Um dia vem atrás do outro e as saudades se fantasiam de carnavais e posts de facebook, mensagens indiretas e frágeis de seres também fragilizados, cinismo explícito, ausência de coragem, sensatez em aridez. Foto em preto e branco. Eu tenho um compromisso com a vida, foi com ela o pacto feito pelo cultivo à alegria, mas por hoje eu o quebro. Por hoje eu me dispo da roupa de guerrilheiro para mostrar um pouco que sou também constituído de fragilidades e inseguranças, mas informo: POR HOJE, SÓ POR HOJE. Porque quando os caminhos mudam a gente tem o direito a tentativa de aprender a andar de uma outra forma, de construir uma outra maneira de andar que não aquela em que tentei segurar a tua mão, como aquela que me fez tímido te roubar um beijo entre carros, gentes, lojas e outros amantes, como aquela que me fez economizar dinheiro para te comprar flores em um dia de chuva, pés enlameados, roupas molhadas mas as flores intactas. Teu riso lindo. Eu não te escrevo, eu não te escrevi, eu não vou chorar. Eu rio ao lembrar de teu riso também tímido, eu rio ao lembrar de teu corpo faceiro provocando o meu, eu rio por te ouvir tanto falar e só pensar em te ter em meus braços, eu rio de tanto que esperamos e nos debruçamos um ao outro em histórias, estórias, danças e até lágrimas, bar fulerage, cidade suja, fumaça, muita fumaça… fumaça me traz a incerteza do que se vê, porque embaça, confunde, irrita os olhos e provoca o desejo de ver de forma mais límpida, há fumaça entre nós, sempre houve. Nós somos o que sobrou da luta entre distância e proximidade, somos um não lugar, pura abstração somos um ao outro, um retrato, um número, uma memória, mas somos. Sim nós somos. Dias atrás sonhei com você, você chegava em uma bolha, algo como redoma, depois você se transformou em sabonete molhado, metáfora mais do que lógica para se falar de nossa estória, porque em mim sempre houve a tentativa de te segurar e você sempre foi uma coisa molhada e escorregadia, água corrente. Nobre, muito nobre não ser água parada, Manoel de Barros já diz que “liberdade caça jeito” e embora eu nunca te tenha sido prisão, a minha liberdade te causa medo do aprisionamento (penso eu!) Fumaça, fumaça, fumaça… que a limpidez nos chegue, que permaneçamos a partir de amanhã alegres, sim, amanhã, porque hoje eu tenho o direito de ser triste, SO POR HOJE, sim eu tenho esse direito. Ah… estou ouvindo o Hélio Flanders cantando “Me acalmo danando” de Ângela Rorô, você já percebeu como essa música é linda?

domingo, 25 de outubro de 2015

"ESCREVO-TE ESTAS MAL TRAÇADAS LINHAS..." Estou há alguns dias movido pelo desejo de manifestar escrita. Essa coisa de escrever sempre vem com um misto de incerteza, medo ou retração, como algo que depois de solto no mundo não mais se prende, não mais se apaga, talvez até se ressiguinifique, mas é lançado, grafa tempo e espaço, vira memória, e depois de virar memória (... calma...talvez não vire memória, refletindo mais um pouco desconfio que não é uma questão de virar memória, porque mesmo antes de sair de mãos e mentes, já é memória.) Não há mais como construir o caminho de volta. Li recentemente, muito recentemente a biografia de minha ex professora de balé clássico Wilemara Barros. (Aqui, nesse inicio de escrita soltei o computador, deitei, bebi dois copos de água, contei meus livros, achei que fosse bobagem escrever, desisti.) Escrever é um ato de partilha, coragem de bicho. Escrever sobre alguém, sobre a história de vida de alguém é cavar espaços para reconhecer o que se é enxergando-se no outro. Refletindo um pouco mais, retomei as mãos o computador, tirei toda a roupa, deitei na cama, pus Maria Callas na vitrola e cuidadosamente fui movimentando me por essas letras que na rapidez da digitação parecia me a movimentação de um balé, um balé de dedos. Nada mais propícios a imagem e a sensação ja que é de dança que se escreve, de quem faz danca, de quem é danca. É difícil definir a razão dessa escrita, mas sei que é preciso escrever, pois essa leitura me inquietou e me mecheu, como água quente jogada em bicho que estava dormindo, como buraco que se abre sobre pés, como casa que cai, como vida que se acaba inesperadamente. Wilemara Barros é uma mulher incrível (me perdoem se parece piegas ou lugar comum a expressão através da qual me refiro a pessoa de Wilemara Barros), mas ao ler a Biografia de Wilemara, a sensação de incredibilidade do ser humano que a habita me salta a alma, me enebria os sentidos e me treme mãos. Garganta seca, nenhuma saliva, nada de cuspe. Conhecer essa mulher fantástica, bailarina de profissão, menina de periferia, ousada, corajosa, não é tarefa muito fácil, pois Wilemara é tímida, fala pouco, observa muito, seu conhecer se confunde com o seu ser, ambos são imensos, como céu. Me sinto nuvem, espaçada... se adjetivo Wilemara como céu, adjetivo a todos que foram e que são seus alunos: nuvens...pois enquanto professora Wila é abarque, possibilidade, faz chover, molha...com Wila eu tambem chovi, ainda que como sereno leve, garoa, gotículas. Lembro com muita nitidez de Wila nos corredores do Theatro José de Alencar na época do Colegio de Danca do Ceará, fui aluno da escolinha de rapazes do Professor Flávio Sampaio que funcionava naquela instituição. A escolinha de Flávio proporcionava aulas de balé clássico para rapazes que tinham o desejo de aprender a técnica clássica. As aulas iniciavam pontualmente as sete da matina, finalizavam por volta das nove, momento em que iniciavam as aulas dos alunos do Colégio de Dança do Ceará, foi nessa época que vi Wila pela primeira vez, foi nessa época também que pela primeira vez tive o privilégio de ser aluno da Diva da dança cearense (não confundamos a Diva da dança Wilemara Barros com as divas do rebolado da world music) fato que me deixou tocado, apaixonado pela danca classica, embora sempre tenha tido a noção de que aquela tecnica nunca seria por mim desenvolvida a contento, pois nunca tive fisico privilegiado, sempre fui um jogador de futebol em se tratando de alongamento e outras possibilidades que a tecnica classica exige. Mas, ainda assim, Wilemara me disse ser possível dançar e através dela desenvolvi muito apreço e paixão por aulas de balé clássico. Mas não é sobre isso que eu deveria estar aqui escrevendo, dessa fase o que me ficou na memória foi mesmo a figura ímpar de Wilemara Barros, o cabelo, a cor, os óculos, os saltos, os mini shorts, as mini saias, as bolsas, o andar, o olhar... e o silêncio... Sim, Wila sempre foi muito silenciosa, coisa de quem sabe demais, coisa de quem tem asas, coisa de quem é céu. Fui coreografado por Wila, música de Tom Jobim, academia Bailart. Nunca pensei que teria em algum momento, por menor que fosse, a confiança dessa magnífica professora em executar alguns passos por ela criados, passos ousados para um sapateador desastrado. Havia um chapéu, um paletó, uma ideia de espaço na cabeça dela, no meio disso tudo havia uma generosa injeção de coragem e incentivo vindo de sua parte. Dessa época, foi essa injeção e construção do possível para uma danca em mim, o que me fez ter coragem de dizer para mim mesmo que eu era uma pessoa de dança. Isso devo a Wila. Quando falo de dança, falo da possibilidade de uma dança outra sem os amados sapatos de sapateado nos pés, que me foram calçado por Valeria Pinheiro. Ao ler a Biografia, revivi, ao falar do DEVIR de Fauller na conclusão do Colégio de Dança do Ceará, reconheci me por muitas vezes acompanhando aquela trajetória, pois estava la, ao lado dos grandes, dançando como bailarino convidado no trabalho de Valéria Pinheiro, dividi as coxias com Wila. Pausa, visto cueca, procuro o programa da noite da apresentação, sei que era amarelo... não recordo o nome do programa. Busco, rebusco... não encontro. Volto para a cama e olho o computador... "jamais enviarei isso para Wila". "Por que Wila é sempre tão doce, atenciosa e delicada comigo? Mas Heber, não é só com você, Wila é assim!" Meus pensamentos. Água, mais água, café, pão, biscoitinhos doces...grito do quarto após me trancar novamente e tirar toda a roupa :"mãe, a senhora pode me fazer um chá?" Tenho a ingênua sensação de que para escrever sobre Wila, a nudez seria uma porta de acesso, porque se Wila é céu, se sou nuvem, se me molho, se Wila me choveu, Wila me deu nudez, me fez tirar roupa e me fez trocar de roupas. Retornando - agora de bruços no chão de madeira do meu quarto, excitado - Ano passado recebi uma mensagem do marido de Wila, meu querido Fauller, pessoa que tenho extrema admiração, que me e uma referência, que me é modelo, que me excita a criar, que me desafia, que me instiga, que me arrebenta. Na mensagem me convida para uma noite de performances em homenagem a Wilemara Barros pelos seus 50 anos de idade no Palco Principal do TJA. No momento achei que era brincadeira, como eu, um sapateador desajeitado, sem muitas possibilidades físicas, iria me apresentar para homenagear a maior bailarina classica de Fortaleza? Não levei muito a sério, até sorri depois de desligar o computador, e naquela noite muito aflito eu não consegui dormir direito. Comecei a realizar que realmente o convite havia sido feito a mim e que eu teria que fazer algo, pois era da Wi lemara Barros que se tratava. Dor de barriga, suor noturno, medo, "o que as pessoas vão dizer?" Por que eu? Organizei minha performance como pequenos bilhetes, coisas que eu gostaria de ter dito a Wila ha muitos anos, desde a época que foi minha professora de balé na escola de rapazes, havia coisas a serem ditas desde a época em que havia me coreografado na academia Bailart, desde a época em que nos encontramos pelos corredores da Boite Divine, desde a época em que foi minha professora na primeira turma do Curso Técnico em Dança... eu sempre tive muito o que dizer a Wila, porque sempre fui muito grato aos olhares, aos entendimentos, aos incentivos que dela vinham não só a mim, mas a todos os que juntos de mim sonhavam em ser bailarinos. Ler a biografia de Wilemara, me fez rever a própria vida, minha trajetória pessoal, artística, sexual e hominidea. Finalizei a leitura aos prantos, olhando as fotos, com as mãos tremendo, soluços me invadindo a garganta, boca aberta no travesseiro, mãos geladas... E me calo, com a certeza e a dívida de muitos dizeres a Wilemara Barros, o maior deles é o de muito obrigado, obrigado por ter sido minha professora, por ter sido minha coreógrafa, por ter me injetado a possibilidade de uma nova danca, por ser tão calada e saber tanto, por ser corajosa, por ter corrido em busca de todo sim que lhe entregaram com o um não. Wi lemara Barros é a própria dança, não faz dança porque é dança. A você minha querida Wila, muitos passos, muita vida, muita música, que minha dança, que também é tua, possa servir a ti sempre que me couber, enquanto tu fores alcançável. Com amor, carinho e gratidão. Heber Stalin

terça-feira, 25 de março de 2014

Modernidade e Pobreza: Algumas simples, bem simples considerações.

Fortaleza é uma cidade conhecida e reconhecida como uma das cidades mais perigosas do mundo, há uma esteria urgente de criminalização às pessoas pobres, que geralmente são estigmatizadas como os motores da violência urbana, quando na verdade o ato de gerir violência perpassa também, e se duvidar em proporção semelhante, a classe dominante. O pensamento de que somente os pobres cometem crimes e violência seria no mínimo inocente e ingênuo, além de que, esse pensamento é um reforço às afirmativas de que os pobres é que são a escória do mundo. Dessa forma é preciso se levar em consideração o real processo que faz com que estejamos divididos em duas classes, a classe operária e a classe burguesa. Não há tempo suficiente para traçarmos uma discussão aprofundada sobre a construção histórica e social dessa relação, mas deixaremos algumas pistas para afirmar um lugar mínimo de um pensamento que dialoga com os processos de desalienação. O discurso sobre modernidade, tão atual no mundo contemporâneo, faz pensar que todas as coisas são acessíveis para todas as pessoas, quando na verdade o que se estabelece como modernidade é ainda uma forma de se apartar pessoas a partir do seu poder de consumo, nada de novidade se levarmos em consideração o que acompanhamos dentro do desenvolvimento do capitalismo de sua gênese até os dias atuais observando as desiguais oportunidades impostas pelo sistema. Karl Marx em seu texto Valor, Trabalho e mais-valia de 1865, já informava que: “...para poder manter-se e reproduzir, para perpetuar a sua existência física, a classe operária precisa obter os artigos de primeira necessidade, absolutamente indispensáveis à vida e à sua multiplicação. O valor desses meios de subsistência indispensáveis constitui, pois, o limite mínimo do valor do trabalho.” (Mark,1865). Observa-se que em se tratando de consumo e trabalho há uma disparidade de alcance bastante considerável, pois quanto mais o homem (classe operária) trabalha, mais o homem (capitalista) se beneficia, o lucro da classe capitalista, é composto exatamente do que falta à classe operária. Dessa forma, a necessidade do ter, além de ser uma constante na vida do trabalhador enquanto ser social, é também uma eterna busca, é sede que não há água que sacie. Essa busca incessante pelo atendimento das necessidades humanas traz consigo estratégias que vão além das relações cordias de aquisição e estão imbricadas nessa busca uma série de outras questões, uma discussão sobre identidade, mídia e cultura por exemplo nos dariam minimamente uma base para entendermos os caminhos que estrategicamente usamos para o cumprimento de nossas necessidades. Um ponto bastante “legítimo” para se entender os níveis de modernidade tem a ver diretamente com a ascensão de um país dentro do cenário mundial de consumo e status. O Brasil se espreme, se sujeita a fazer parte de uma lógica competitiva que maltrata seus citadinos os colocando em situações de extrema pobreza e miséria que nem de longe dialogam com um real sentido do termo modernidade. Famílias em situação de extrema pobreza, pessoas morrendo de sede por falta de vontade política de se amenizar os problemas trazidos com as secas do Nordeste, assaltos, assassinatos e serviços públicos precarizados e sucateados; nem de longe esses quisitos dialogam com um conceito de modernidade que leve em consideração o bem-estar de pessoas, sem falar no desregrado sucateamento do patrimônio público das cidades, demolições, desocupações e total desrespeito ao povo brasileiro em detrimento de grandes eventos como a Copa do mundo, Olimpíadas, Copa das confederações dentre outros. Não podemos ser complacentes com a assinatura de uma modernidade que desapropria pessoas de suas histórias de vida, de suas cidades, de seus nichos de convivência, essa forma de se legitimar a modernidade não é trangressora e sim regressora, pois assassina vidas, árvores, pessoas, causa doenças de várias ordens, propõe a loucura, o desespero, a tristeza, a angústia, a incerteza, um amanhã incerto. O que está implicito nesse discurso de modernidade é um processo de globalização que em hipótese nenhuma é benéfico ao Brasil, pois o jogo de troca e lucro a título de globalização é sempre injusta. O Brasil não é uma grande potência financeira, seria ingênuo pensar que nessa perspectiva há equidade e igualdade, há sempre um maior que fala mais alto, há sempre a força do dinheiro que dita as regras, como disse o poeta bahiano, o que há no fim das contas é “A força da grana que ergue e destrói coisas belas”. Seguindo a lógica do capital, quem tem mais manda mais, quem tem menos não manda, tenta negociar, mas no fim das contas: Obedece. Stuart Hall em seu livro “A Identidade cultural na pós - modernidade” faz uma discussão sobre as problemáticas do mundo contemporâneo e dentre outros importantes pontos traça um panorama do que se imbrica na discussão sobre modernidade e identidades na atualidade, em Hall: “Quanto mais a vida social se torna mediada pelo mercado global de estilos, lugares e imagens, pelas viagens internacionais, pelas imagens da mídia e pelos sistemas de comunicação globalmente interligados, mais as identidades se tornam desvinculadas – desalojadas – de tempos, lugares, histórias e tradições específicos e parecem flutuar “livremente”. Somos confrontados por uma gama de diferentes identidades (cada qual nos fazendo apelos, ou melhor, fazendo apelos a diferentes partes de nós), dentre as quais parece possível fazer uma escolha. Foi a difusão do consumismo, seja como realidade, seja como sonho, que contribuiu para esse efeito de supermercado cultural” (HALL, pá. 75). Quando Hall aborda na passagem do texto que a escolha nos parece uma possibilidade a todos, informa que aparentemente o mundo vive em plena igualdade. O que acontece na realidade é que as escolhas são determinadas por fatores sociais e históricos, não dá para acreditar que o mundo oferece oportunidades iguais a todos, essa é a máxima do sistema neoliberal, a lei do mercado livre, que nos sufoca e nos é perverso. O que queremos dizer é que da mesma forma que o Brasil entra em negociações que o deixam em situações subalternas frente a outras potências mundias ( Japão e EUA), as pessoas também estão sempre vivendo essa relação no seu cotidiano, de exploração, de opções injustas. Sabemos claramente que uma política publica de educação por exemplo não coloca as pessoas em nível de competição igual, ou ainda somos ingênuos de pensar que um aluno da rede pública tem as mesmas possibilidades que um aluno da rede privada? Em se tratando de educação básica isso é um dissenso. É discurso de Liberais. Ainda pensando sobre a modernidade e sua relação com o aumento da pobreza, é imprescindível que estejamos atentos para as questões relacionadas à política de transferência de renda do governo federal. Há uma histeria cega e louca que criminaliza a política de transferência de renda em detrimento da afirmativa de que os benefícios têm incitado uma preguiça ao trabalho. Essa afirmativa é perigosa, pois os benefícios de transferencia de renda – ainda que tenham inúmeros problemas – foram uma maneira de se retirar milhões de pessoas das situações de extrema pobreza e trabalho escravo assim como reavivar possibilidades inerentes à auto-estima. A Socióloga Amélia Cohn, foi assessora de projetos sociais do Governo Lula e foi uma das responsáveis por estruturar o Programa Bolsa Família junto ao BID. Durante alguns anos trabalhando ao lado do então presidente, recebia cartas de beneficiários do PBF, nas cartas os beneficiários relatavam e agradeciam o benefício, as cartas eram direcionadas ao Presidente. Amélia relata: “Em 2007, realizei um estudo para a Secretaria Nacional de Renda para a Cidadania sobre o Bolsa Família – comentamos sobre cartas, mensagens, recados e falas que ouvimos dos beneficiários. Uma delas era particularmente para Rosani: Uma mulher que lhe havia dito que com os 2,00 que haviam sobrado depois de fazer o rancho (as compras todas do mercado) com o dinheiro que havia recebido, ela havia podido comprar um batom, coisa que há muito tempo era seu desejo. E que isso era para ela uma grande felicidade. Nós (claro que não simplesmente por sermos mulheres) entendíamos muito bem a felicidade de nossa companheira, pelo lado da sua auto-estima; mas também estávamos plenamente conscientes de que da parte da opinião pública, nada mais condenável do que esse “gasto”. Para muitos, demasiados mesmo, essa dimensão da auto-estima, que para nós era inquestionávelmente intrínseca à cidadania e, por extensão, à democracia, é absolutamente invisível, ou mesmo inexistente.” (COHN, 2012) A modernida aos olhos da classe burguesa é uma inerente aos que consomem, essa forma de dialogar com o conceito de modernidade exclui a classe pobre e estigmatiza os desejos dessa mesma classe de se alcançar determinadas possibilidades importantes para a sua existência. Assim o discurso punitivo ao PBF e outros benefícios deve ser mediado, ainda que existam lacunas que a organização do benefício não conseguem cumprir. É bastante recorrente na fala dos que criticam o PBF a máxima de que as pessoas que o recebem “não trabalham porque não querem”, esse pensamento é alienado, pois não leva em consideração a realidade em sua totalidade observando as condições injustas de oportunidades na disputa pelo mercado de trabalho, segundo Cohn: “E o importante é que, embora vital para a sua sobrevivência, para essas pessoas com inserção precária no mercado de trabalho, ou com possibilidadesprecaríssimas de acesso à renda, essa fonte de renda não configura, ao contráriuo do que muitos pensam, uma escolha ao não trabalho.. Apresenta-se, sim, como uma alternativa fundamental frente à inexistência do trabalho como fonte de segurança da satisfação de suas necessidades básicas e de suas famílias.” (COHN. 2012). Reforçamos que é necessário dismistificar o Bolsa Família como um sustento de vagabundos, pois essa maneira de enxergar o programa é também uma maneira de culpabilizar as pessoas por serem pobres quando o que acontece de fato está grafado na história do país desde seu descobrimento, uma história marcada pela injustiça social, oligarquias, coronelismo, ditaduras religiosas que aumentam as desigualdades, e afunilam uma ascenção social aos que têm mais oportunidades. Não dá para discorrer sobre a relação modernidade e pobreza sem perpassar por questões relacionadas ao Programa Bolsa Família e a atual conjuntura da cidade de Fortaleza frente às pressões impostas pelo evento Copa do Mundo. O que se percebe é que há cada vez mais o aumento da classe pobre, a grosso modo: quem é rico cada vez fica mais rico e quem é pobre cada vez mais pobre, o ciclo da pobreza aumenta na mesma proporção em que o ciclo da riqueza diminui. Entendendo da importância dessa discussão para uma formação comprometida com as mazelas da questão social, nos ocupamos em nos deter sobre o imbricamento dessas questões em nossa cidade, claro que de forma bastante tímida, pois a discussão sobre a relação modernidade e pobreza é inesgotável, são muitos autores, muitos pontos de vista e muitas correntes filosóficas que a abordam de formas diversas. Sabemos que o curso de serviço social é hegemonicamente Marxista e acreditamos nas teorias de Marx a partir de seu método de observação crítico-dialético que é necessário entender a realidade através de uma leitura de conjuntura que leve em consideração o ser social em sua historicidade, essa leitura foi o nosso ponto de partida para o desenvolvimento do trabalho. Entendemos porém que para além da classificação de classes e desenvolvimento do capitalismo, o autor não viveu tempo suficiente para traçar discussões relacionadas a determinados temas, viveu em uma época na qual não existiam recursos tecnológicos, e-mails, computadores e a modernidade se estabelecia de uma outra forma. É no âmbito da não negação dos escritos e na totalidade do pensamento de Marx , na abertura subjetiva a leitura de autores como Hall e Bauman que pretendemos ampliar a discussão sobre o tema sugerido e nos propomos a dialogar sobre os conceitos de modernidade e pobreza. Para isso, nos debruçamos sobre a cidade, pondo em choque elementos que a partir do processo de transnacionalização do capital se legitimam na cidade causando um verdadeiro caos no desenrolar de seu cotidiano. O recurso escolhido foi a fotografia, pois essa estratégia chega de forma direta e impactante sendo uma ótima alavanca para se proporcionar o debate. Foram fotografadas as redondezas do Castelão, que é hoje o alvo de maior especulação imobiliária da cidade, uma casa simples de dois quartos, durante o período em que a copa acontecerá, será alugada por até 10,000,00. As reformas do estádio estão suprimindo a classe pobre que vive nos arredores, trazendo problemas relacionados ao saneamento básico, demolições, remoções e sem falar nas catástrofes de deslizamentos nos períodos de chuvas. O metrô da cidade também será abordado, mostrando as obras e o mau funcionamento, causando transtornos e em alguns casos complicando mais ainda o deslocamento outrora feito de ônibus. A Seca também será mostrada nas fotos de crianças que vivem nos interiores e que são cerceadas do direito à alimentação e uma vida saudável, muitas delas sendo sujeitas à situações de trabalho infantil, similar ao que acontece na urbe Fortaleza. A intenção primeira é ampliar o debate sobre a relação pobreza e modernidade e fazer refletir o posicionamento ético e político da formação e do profissional que estará em breve atuando nessas ambiências Concluimos com esse trabalho que é urgente uma discussão aprofundada sobre a cidade, sobre as pessoas, sobre o capital e estratégias de enfrentamento. É bastante doloroso nos perceber em um momento como esse (copa do mundo e extrema “modernização”) de mãos atadas, pois o desejo do povo não é o mesmo desejo do Estado. O que nos fica é a certeza de que nós, enquanto futuros asistentes sociais, teremos um trabalho grande frente ao caos que o sistema impõe, especificamente no caso de Fortaleza, pegaremos uma cidade cheia de contas a pagar, o preço de sediar uma Copa do Mundo é um preço alto, a inflação voltará com tudo, o desemprego, a miséria se estabelecerá ainda de forma mais agravante. È preciso ter claro que se hoje está ruim, após a copa estará pior. Dessa forma tecemos nossos agradecimentos ao Professor Renato Ângelo por nos ter colocado de frente a uma discussão tão necessária para a cidade, acreditamos que metodologias de ensino que colocam o aluno face a face com o seu futuro campo de trabalho são disciplinas marcantes e inesquecíveis. E que nunca nos falte o sentimento de rebeldia e o desejo de revolução. REFERÊNCIAS BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Tradução, Plínio Dentzien. Rio de Janeiro – Zahar 2001. COHN, Amélia. Cartas ao Presidente Lula – Bolsa Família e Direitos Sociais. Rio de Janeiro – Pensamento brasileiro 2012. MARX, Karl 1818 - 1883. O leitor de Marx. Organização de José Paulo Netto. Rio de Janeiro. Civilização brasileira 2012. VELOSO, Caetano. In Sampa. São Paulo 1978.

O que digo sobre o Sapateado.

Entrevista dada à Revista DANCE Magazine. QUEM FOI (É) SUA GRANDE INSPIRAÇÃO ? POR QUE? Minha primeira e grande inspiração foi e continua sendo a Coreógrafa da Cia. VATÁ Valéria Pinheiro, ela foi a grande revolucionária do sapateado no Brasil e no mundo, foi a primeira brasileira a dançar nos palcoa do coração do sapateado americano que é os EUA, mais especificamente a cidade de NY. Seu estilo único e autoral é algo que revela sua alma inquieta e criadora. O SAPATEADO NO BRASIL APRESENTA HOJE ALGUMA PARTICULARIDADE? SE SIM, QUAL? Sim, muitas, algumas positivas e outras negativas. A particularidade do sapateado brasileiro e que é um específico de nós sapateadores brasileiros é o domínio sobre a música brasileira, isso é bastante particular, os brasileiros conseguem sapatear com muito mais propriedade e domínio dos ritmos, somos um povo dançante, que tem swing na alma, brasilidade na veia, essa possibilidade de ser maleável na aquisição de ritmos acho extremamente positiva, o sapateado é uma dança que propõe e produz alegrias e conversa diretamente com a essência da alma brasileira. Me incomoda um pouco territorializar o sapateado em um campo de competitividade, esse é um dos motivos pelos quais nunca me coloquei enquanto sapateador junto com a Cia. Dos Pés Grandes (Cia. Que dirijo), acho que de alguma forma, a competitividade coloca em evidências outras questões que na maioria das vezes estão aquém do que o sapateado realmente se propõe enquanto arte que tem uma historicidade complexa e de luta. COM A ONDA DOS MUSICAIS O SAPATEADO ESTÁ SE TORNANDO CADA VEZ MAIS POPULAR NO BRASIL? Aqui no Ceará a onda dos musicais ainda está em processo de andamento, existe um movimento forte de pesquisa em algumas academias, essas tentam fazer o melhor, apreendem bastante em cursos e festivais pelo Brasil e também no exterior. Não tenho muita propriedade para falar de musicais porque faço um sapateado extremamente intimista, não me afetam muito os musicais modernos da sociedade contemporânea. Claro que não tem como esquecer a história dos musicais na construção do cinema, eu vi Cantando na chuva ainda criança, ainda hoje me emociono quando assisto, me enche os olhos, meias de seda, um americano em Paris... enfim, tenho uma relação com musicais no âmbito do cinema, em se tratando de teatro, de palco, tenho visto poucos, quando estou em São Paulo ou nos EUA tento ver alguns, não dá pra morrer sem ver CATS por exemplo. Mas um sapateado de cunho apenas espetacular não me interessa muito, me interessa o que o sapateado causa na minha vida, que sentidos e afetos ele produz. ESSES MESMOS MUSICAIS DÃO CONTA DE ABSORVER OS PROFISSIONAIS? O Brasil é um país que comporta um grande número de sapateadores, cidades como São José dos Campos, Rio de Janeiro, e ainda mesmo algumas cidades do interior de Minas Gerais têm sapateador por metro quadrado espalhado nos cantos. Os grandes centros urbanos oferecem maiores oportunidades profissionais para quem deseja essa linha de atuação no sapateado, aqui no Ceará as oportunidades ainda são tímidas, acho que nossas demandas ainda são outras. É dificil falar disso, eu sou um sapateador alternativo, não trabalho em academias, não participo de festivais competitivos e trabalho com pessoas que não têm alto poder aquisitivo, por essas questões me interessam outras coisas na relação com o sapateado, como por exemplo a forma como ele potencializa minhas alegrias e cuida da minha qualidade de vida. COMO É A CENA HOJE FORA DO BRASIL? QUAIS SÃO OS DESTAQUES? A Cena fora do Brasil é muito condicionada aos desejos e olhares de quem analisa de fora. Eu ainda acho que os EUA são a grande potência do sapateado mundial, eles recriam o sapateado em uma rapidez sem limites, os mestres de sapateado americanos continuam sapateando, e confesso que embora a juventude esteja sempre surpreendendo com novos estilos, a tradição aparece e é preservada o tempo inteiro. O espaço dos mestres é legitimado, a maioria dos sapateadores jovens sabem quem foi Buster Brown, Jimmy Slyde, Steve Condos e outros, dessa forma o sapateado se mantém vivo, a essência dele é mantida nos passos e movimentos dos jovens, existe uma ambiência de cumplicidade entre a tradição e o contemporâneo na relação cotidiana do sapateado nos EUA. Atualmente Jason Samuel Smith representa de forma bastante direta a juventude do sapateado americano, posto que durante muito tempo foi do Savion Glover, ambos trabalham com funk e conseguem captar a juventude para um processo de descoberta do sapateado, acho esse movimento fascinante. Gosto muito do Trabalho de Lane Alexander de Chicago, Lane tem uma generosidade nos pés que é fora do comum, faz um sapateado poético, intimista, desafia a virtuose, é sapateado para ver e ouvir, ver a BAM de Lane Alexander sapateando me dá vontade de voar, de chorar, me afeta todos os sentidos, é um sapateado que me faz pensar. Existe sapateado que fecho os olhos e só escuto, existem outros que mechem internamente, comunicam, me interessa muito um sapateado comunicativo no qual eu consiga trocar algo e viver uma relação de mão dupla, um ir e vir. Tenho essa sensação também quando vejo Roxanne Buterfly, Roxanne é pura paixão e desprendimento no palco, sua felicidade é contagiante, o sapateado feito por ela é sofisticado, limpo, mamou em Jimmy Slyde, aprendeu demais com o mestre e divide esses conhecimentos sem apegos ou mesquinharias. COMO VOCÊ OLHA O SAPATEADO HOJE? Acho que o sapateado é uma arte extremamente sofisticada, uma arte que desperta desejos e paixões, me incomoda pensar que o sapateado é uma arte elitista, e me incomoda muito mais quando percebo profissionais que não questionam o elitismo dentro do sapateado. Gosto de pensar o sapateado como um “possível” a todos, sou extremamente feliz com o sapato de sapateado nos pés e desejo que as pessoas pudessem vivenciar essa sensação, penso sempre no momento de meus exercícios de sapateado na criança que está no trânsito em situação de trabalho infantil, na mulher que sofre violência doméstica, na população LGBT que sofre preconceitos, o sapateado me alivia dores da alma. Tenho um entendimento de que o sapateado, a prática dele pode tornar as pessoas mais sensíveis e comunicativas, lamento que no Brasil essa arte esteja ainda dentro de um ciclo de pessoas que podem pagar preços altos pelas aulas nas academias, existe porém uma grande parte da população que nunca terá acesso porque as aulas são caras, o sapato é caro... enfim. Acho que poderíamos estar fazendo muito mais pelo sapateado no Brasil, popularizando-o, possibilitando – o às pessoas que têm dificuldades de acessá-lo devido a problemática da falta de dinheiro. O sapateado em si é uma arte popularizada, existe de fato, sua existência é inquestionável, o que temos que pensar daqui pra frente é a sua difusão, jogá-lo nas escolas, em cursos formativos, em programas de qualidade de vida. Acho que conheço apenas 3 experiências no Brasil que têm no sapateado o motor propulsor de transformação, Luiz Baldjão faz um trabalho lindo com crianças em um morro em São Paulo, Christiane Matallo também proporciona essa experiência a algumas crianças em Campinas e em Araguari o Estúdio A tem jogado excelentes profissionais de sapateado ao metier da classe, porém, continuo achando que poderíamos fazer mais, somos poucos mas somos muitos na multiplicidade. Gostaria que o compromisso do sapateador brasileiro fosse o próprio sapateado e a perpetuação dele como um “possível” e não um compromisso pautado em montagem de coreografias para os grandes festivais competitivos. Acho extremamente importante festivais formativos como o TAP IN RIO de Steven Harper e Adriana Salomão e o INTERNACIONAL de Christiane Matallo como espaços de difusão e formação do sapateado, são momentos de encontros fantásticos, feito e pensado por pessoas fantásticas que agrega valores, diferenças e estilos. Ainda acho que o sapateado precisa ser mais praticado, vivenciado e experienciado, eu desejo um país com mais sapateadores porque eu desejo um país mais alegre, e alegria é também uma forma de revolução. Heber Stalin Fundador, Bailarino, Coreógrafo e Diretor Geral da Cia. Dos Pés Grandes.