segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Minha dança na escrita do cotidiano paralelo

Comecei o estágio supervisionado I em Serviço Social no dia 12.09 do corrente ano, esse dia foi um diferencial na minha vida acadêmica, pois foi a primeira vez que me deparei com a intervenção do serviço social dentro de uma política que é extremamente frágil e que na qual eu jamais havia despertado o desejo de estar inserido. A chegada ao ambiente hospitalar foi muito brusca, não há delicadeza que rompa com a dinâmica hospitalar, são tensões, movimentos, paragens, dores, tristezas, odores, tudo se mistura ao ambiente, o misto de salvar vidas com o desespero da morte é uma constante no cotidiano do serviço social hospitalar, os estreitos corredores assim como as salas de atendimento são verdaeiros labirintos, cheios de desconhecimentos, incertezas e angústias dos que ali buscam encaminhar as demandas de seus familiares em estada hospitalar. Foi assim que começou o primeiro dia de estágio, com o rompimento da minha vida pequeno-burguesa pela realidade social dos que sofrem e agonizam na política de saúde. O serviço social na instituição é bastante dinâmico, as assistentes sociais entram e saem, sobem e descem, algumas correm, algumas sentam exilando o cansaço, pessoas reclamam na porta do serviço social, idosos, crianças, mulheres, travestis, todos se aglomeram na porta do setor na tentativa de uma mínima notícia de seus familiares, querem saber se já morreram, se estão de alta, se a cirurgia foi bem, há também fome nessas pessoas, algumas desejam entrar para se alimentar ao lado dos seus pacientes, há um desejo enorme de ter, o verbo predominante é o “querer”. A dinâmica hospitalar muito me tocou nesse sentido, as imagens são fortes, o cheiro é forte, o desespero é forte, as fragilidades são fortes, é preciso dizer que o que há de mais forte no meio disso tudo é a intervenção ( embora em alguns momentos frágeis) das assistentes sociais, que calmamente vão tentando encaminhar as demandas que a elas chegam, elas resistem com muita determinação, fazendo valer a construção do projeto ético-político da categoria e o Código de ética da profissão que têm como compromisso maior o atendimento das demandas da classe trabalhadora. Adentrando então o espaço do Serviço social, me armei de papel e caneta e adentrei a sala de atendimento da emergência hospitalar para juntamente com a supervisora mapear demandas e traçar encaminhamentos. Nesse primeiro dia, tudo era grande e novo para mim. O primeiro atendimento foi à uma mãe que teve a filha espancada na noite anterior, o companheiro da filha a espancou, depois a amarrou e cortou a cabeça ao meio com uma faca, do meio da testa até ao pescoço, na tentativa de abrir a moça ao meio e chegar ao coração. No desenrolar da ação dele, a comunidade se revoltou e o espancou até a morte. Esse atendimento me tocou demasiadamente, traços de crueldade, ação desumana, tentei no entanto me abster de comentários, pois sabia que ali haviam questões que cabiam ao profissional que já tem experiência em casos como esse, e se gundo a supervisora, casos como esse fazem parte do cotidiano do IJF, todos os dias chegam mulheres vítimas de violência doméstica com situações tão esdrúxulas e impactantes como aquela. Faz parte da dinâmica e do funcionamento do Serviço Social do IJF a rotina de atendimentos em sala e também o atendimento diretamente na emergência, dessa forma, o assistente social fica um determinado tempo na sala e outros determinados tempos diretamente na emergência, nos corredores, local onde existem cabeças quebradas, pernas, braços, bacias quebrados, muito sangue. Finalizando os atendimentos em sala, subimos para os corredores da emergência do IJF, a emergência é um local que comparo a um campo de concentração, são cabeças partidas ao meio, ossos saindo de corpos, olhos esbugalhados, mãos e pés amarrados, há de tudo na emergência do IJF. O cheiro lá é ainda mais forte, um misto de álcool, afetamina, urinas, fezes e sangue, tudo compõe o cenário de um campo de guerra, soma-se a isso o desespero dos que acompanham, pessoas aflitas, implorando pela presença de médicos que em sua maioria passam pelos corredores como se não fizessem parte do que ali acontece, no meio disso tudo está a figura do assistente social que é o único profissional da saúde que atenta de forma mais direta e tranquila, sendo empático com as dores dos que ali se encontram. O assistente social vai de leito em leito da emergência, com seu caderno de entrevista social, material informativo sobre DPVAT e cartão de acompanhante, na maioria das vezes é até recebedor de críticas, pois todos reclamam da ausência de médicos para o assistente social. Feito a vistoria na emergência e cumpridos os atendimentos e preenchimentos de cartão de acompanhante é hora de descer mais uma vez para o Serviço Social, pois lá existem mais atendimentos a serem feitos. Ao chegar à sala, havia uma notícia de óbito, a supervisora pediu que eu não participasse porque “não conversamos ainda sobre isso” (sic). Fiquei fora da sala de atendimento esperando a finalização do atendimento, ansioso para saber qual seria o próximo passo daquela primeira tarde de estágio. Após o atendimento do óbito, a supervisora pediu 5min. Saiu e voltou com olhos vermelhos e disse que era natural chorar, confessou que às vezes faz atendimentos que necessita sair, chorar um pouco e voltar para poder concluir. Calmamente, fomos conversando sobre os instrumentais, a forma de divisão das assistentes sociais por setores do hospital e da dinâmica instaurada no hospital, juntos chegamos à conclusão de que o hospital é um reflexo direto da conjuntura social da cidade, pois o hospital é como um termômetro das questãoes de violência contra a mulher, abandono de idosos, negligência com crianças e adolescentes entre outros, tudo se ver ali, tudo esbarra lá. Chegada a hora de finalizar o dia de estágio, o microfone geral chama pela supervisora na emergência, pois havia chegado ao hospital muitos casos que precisavam da intervenção do serviço social, a supervisora se levantou, vestiu o jaleco, agradeceu e fiquei olhando sua corrida rumo ao elevador, papel caindo das pastas, uma procura frenética pela caneta nos bolsos, cabelos assanhados, e eu pensei: Isso não é teatro, isso é a vida acontecendo, para quem sofre nela e pra quem “cuida” do sofrimento dela.

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